Juliana de Oliveira Rocha (Fonoaudióloga)
Fabiana Santos Rezende (1º Tenente QOS PM)
Thiago Vitório de Oliveira (Capitão PM)
Patrícia Cotta Mancini (Fonoaudióloga, UFMG)
A audição é um dos principais sentidos pela qual o ser humano interage com a sociedade, desempenhando uma função primordial na aquisição e no desenvolvimento socioemocional, da fala e da linguagem.
A audição das tripulações e equipes de apoio de solo dos aeroportos está constantemente exposta a excessos de ruídos provocados pelos motores e turbinas de aeronaves. O ruído é considerado a terceira causa de poluição ambiental e, quando intenso, é capaz de proporcionar danos irreversíveis ao aparelho auditivo humano, podendo provocar lesões e incapacitar os envolvidos nas operações.
Os profissionais expostos ao ruído podem apresentar dificuldades de comunicação, incluindo alteração na detecção, discriminação e localização da fonte sonora, bem como dificuldade de concentração, atenção, memória, zumbido, ansiedade e fadiga excessiva, e consequentemente, isto aumenta os riscos de incidentes e acidentes aeronáuticos.
O Batalhão de Radiopatrulhamento Aéreo – Btl RpAer da Polícia Militar de Minas Gerais, por meio do Gerenciamento da Segurança Operacional, da Seção de Segurança de Voo e do Núcleo de Apoio Psicológico, promove ações mitigadoras e de gerenciamento do risco quanto a esse aspecto, em atividades preventivas, como: pesquisas, palestras, distribuição de abafadores e protetores auriculares.
Em 2016 foi feita uma parceria com o Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, para a realização de diagnóstico da exposição dos militares da Unidade ao ruído.
A pesquisa analisou os níveis de pressão sonora aos quais os militares estão expostos durante a sua jornada de trabalho, medindo o ruído na Unidade. Foram definidos doze pontos para realização das medições do ruído, em diferentes períodos do dia.
A intensidade de foi medida por meio do decibelímetro, de acordo com os critérios estabelecidos pela Norma de Higiene Ocupacional (NH0 01). As avaliações de 60 militares consistiram em entrevistas e exames de audiometria, em ambiente tratado acusticamente, sendo determinados os limiares de audibilidade por via aérea nas frequências de 250 a 8000 Hz e óssea de 500 a 4000 Hz em ambas as orelhas (120 medições).
A classificação das audiometrias seguiu os critérios propostos por Biap, que considera a média dos limiares aéreos nas frequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz.
A intenção dos exames audiométricos foi identificar casos de Perda Auditiva Induzida por Níveis de Pressão Sonora Elevados (PAINPSE). Trata-se de uma doença ocupacional caracterizada pela exposição prolongada ao ruído e acomete as células ciliadas do ouvido interno, resultando em perda auditiva irreversível.
A PAINPSE ocorre inicialmente na frequência de 4000 Hz, e gradualmente atinge outras frequências, prejudicando de forma definitiva a audição. A Norma Regulamentadora nº 15 (NR-15) estabelece os limites de exposição ao ruído contínuo, intermitente e ruídos de impacto vigentes no Brasil, sendo a exposição máxima permitida para um ruído de 85 dBNA é de oito horas por dia.
Contudo, a jornada de trabalho operacional no Btl RpAer é superior a 8 horas diárias. Além disso, os militares estão sujeitos a diversas exposições ao ruído tais como: disparo de arma de fogo, rádio comunicador, sirenes, motores de aeronaves, automóveis e tratores (pushback), e tudo isto, com o decorrer do tempo, pode ocasionar prejuízos no desempenho profissional e na saúde, favorecendo a ocorrência de acidentes.
O ruído interno da cabine da aeronave é um fator agravante para a comunicação e segurança dos aeronavegantes, pois alguns autores afirmam que seu nível pode variar de 80 dB(A) a 140 dB(A), dependendo do tipo da aeronave, da potência do motor exigida em diferentes condições de voo, bem como do próprio ruído aerodinâmico.
Nesta pesquisa, o ruído foi também medido no interior do helicóptero da marca AS350B2 e do avião bimotor Beechcraft King Air C-90. Os resultados indicaram que a média do nível de ruído no ambiente externo foi menor quando comparada à média de ruído no interior das aeronaves. Além disso, o nível de ruído no interior do helicóptero foi maior que no interior do bimotor.
Pesquisas indicam que o ruído do helicóptero está relacionado às características de cada equipamento, todavia o ruído origina-se da interação do rumor do rotor principal e da cauda das aeronaves, que gera diversos harmônicos, devido ao fluxo de ar inconstante do rotor principal e que posteriormente atinge o rotor de cauda, ocasionando um ruído excessivo.
Verificou-se a presença de perda auditiva neurossensorial moderada e leve em 5% da amostra. Ao analisar as características da audiometria tonal por frequência da via aérea dos militares, verificou-se a presença do entalhe acústico na frequência de 6000 Hz, característico da PAINPSE, conforme ilustra a figura a seguir.
Quanto aos traçados audiométricos, 95% apresentaram valores dentro dos limites aceitáveis por Biap. Ao analisar a comparação das médias dos limiares aéreos de 250 a 8000 Hz das 120 orelhas, verificou-se médias mais altas nas frequências de 4,6 e 8 KHz. Nota-se que a frequência de 6000 Hz foi a mais acometida bilateralmente.
Observou-se também alguns dados importantes: 48% da amostra não faz uso do protetor auricular, 40% da população estudada faz uso do fone de ouvido no lazer e 33% relatou frequentar locais ruidosos, estando esses trabalhadores mais susceptíveis à PAINPSE. Ao investigar os dados relacionados aos hábitos e queixas audiológicas dos militares, 60% relatou dificuldade de concentração durante o trabalho devido ao ruído.
Em relação ao estresse, 40% da amostra relatou presença de sintomas relacionados. Para entender como estes fatores são prejudiciais, em pesquisa realizada na Universidade Estadual Paulista-UNESP, foi constatado o ruído como primeiro fator estressor na atividade pesquisada, juntamente com a temperatura.
Os militares do Batalhão, portanto, estão expostos a altos níveis de ruído, considerados prejudiciais para a audição nesta atividade. Embora a maioria dos militares apresentou audição dentro dos padrões de normalidade, faz-se necessário manutenção contínua do programa de conservação auditiva para esta população, a fim de evitar a instalação ou agravamento de perdas auditivas decorrentes da atividade aérea.