EDUARDO ALEXANDRE BENI
Coronel da Reserva da Polícia Militar de São Paulo
Resgatar a história de pessoas ilustres e que contribuíram para a nossa aviação não é tarefa fácil. Todos os voos que realizamos, nossas missões, nossas vitórias e derrotas, contribuem para a edificação da aviação no Brasil, mas na correria do dia-a-dia não nos apercebemos que nossas ações, mesmo que singelas, podem trazer resultados decisivos e significativos no futuro.
Hoje, as informações são instantâneas, elas nos encontram onde estivermos, mas e aquelas que, de forma mágica, deram um significado para o que somos e fazemos hoje? Perdemos, por vezes, nossas memórias, mas, pouco a pouco, vamos reencontrando nossas raízes, nossas origens.
Não fosse o zelo de alguns, como o do Comandante Cláudio Finatti, guardando recortes de jornais, fotos, cartas, etc, essa história seria perdida, mas vamos eternizá-la. A Gazeta Mercantil, em 1999, na edição de 22 de outubro, publicou a matéria “Lembranças do primeiro piloto de helicóptero” escrita pelo jornalista Álvaro de Oliveira e no mesmo ano a APHESP, hoje ABRAPHE, publicou um folder em sua homenagem. Mas então, quem foi afinal essa ilustre pessoa? Foi o Comandante Carlos Alberto Alves, o primeiro dos primeiros.
Essa história começou há muito tempo, quando com apenas 15 anos, meados de 1939, arriscava algumas manobras no avião do seu pai, um Taylor (aparelho inglês semelhante ao paulistinha), sempre que os dois deixavam o aeroclube de Garça, no interior de São Paulo.
Aos 17 anos, Carlos Alberto deixou São Paulo e foi para Porto Alegre, onde ingressou no Exército. Quando completou 18 anos, idade mínima obrigatória para tirar o brevê, não resistiu à tentação de pilotar e abandonou a carreira militar. O próximo destino seria a Escola de Aviação do Campo de Marte, zona norte de São Paulo, até então uma referência da aviação nacional.
Na Escola, o futuro piloto preencheu as 25 horas necessárias para obter sua licença. Poucos anos separaram o dia em que o comandante colocou as mãos na carteira do seu primeiro emprego como piloto. Por intermédio de um dos grandes entusiastas da aviação, o comandante Renato Arens, fundador da UBAC, União Brasileira de Aviadores Civis em 1947, foi contratado por fazendeiros para cuidar da pulverização de plantações de café no interior de São Paulo.
Sem titubear, Carlos Alberto topou a empreitada. “Quando cheguei na fazenda, Arens contou que eu teria que trocar o avião pelo helicóptero”, disse Carlos Alberto. “Eu mal sabia que minha paixão pelos helicópteros estava apenas começando”.
O Comandante trocou, então, a segurança e o conforto dos aviões pela liberdade e o risco maior de voar num helicóptero. “Não era tão seguro como hoje, mas voávamos baixo e não faltava espaço na cidade para aterrissar no caso de uma pane.”
O preço de um helicóptero, segundo o comandante, era dez vezes maior que um avião de pequeno porte. O motivo pelo qual os fazendeiros resolveram comprar o Bell 47-D era a eficiência no processo de pulverização. O aparelho chegou ao Brasil completamente desmontado e passou pela alfândega no porto de Santos. Os técnicos montaram no “campinho”(como fora carinhosamente batizado o Campo de Marte) e, em seguida, o helicóptero foi conduzido para o interior. “Fiz apenas quatro horas de treinamento” afirmou.
O comandante trabalhou na fazenda entre 1948 e 1951, quando o governador Adhemar de Barros fez uma oferta irrecusável aos proprietários. “Adhemar resolveu comprar o helicóptero e acabou me levando de brinde”, comentou Carlos Alberto. Contratado pela VASP, Carlos Alberto se consagraria como o primeiro piloto de helicóptero de uma empresa aérea brasileira e de um governador.
Para contextualizar a importância desse momento histórico, Adhemar de Barros foi duas vezes governador de São Paulo (1947–1951 e 1963–1966) e além de médico, empresário e influente político brasileiro era também aviador. Tirou seu brevê na Europa no período em que fez cursos de especialização em medicina. Conta a história que Adhemar foi o precursor do uso intensivo de aeronaves na Administração Pública e nas campanhas políticas e, certamente, foi o primeiro político a utilizar o helicóptero para o seu transporte. Carlos Alberto foi esse piloto.
O detalhe é que não havia nessa época licença para esse tipo de aeronave, assim, o comandante, após seu treinamento e acúmulo de horas de voo, deu instrução ao “checador” da Força Aérea, que o examinou logo após e recebeu a licença de piloto comercial de helicóptero N° 001, instituída em 1952, pela então Diretoria de Aeronáutica Civil.
No início dos anos 50, o vertiginoso crescimento da aviação comercial e a inevitável modernização do Aeroporto de Congonhas, que já despontava como um dos mais movimentados do mundo em transporte de cargas e passageiros, com seus barulhentos quadrimotores transoceânicos Douglas DC-4, Constellations e os Boing 377 Stratocruiser, tiveram que dividir o espaço aéreo da capital com um Bell 47-D, matrícula PP-H1, que mais tarde passou para PP-HAA, pilotado por Carlos Alberto.
O Comandante também transportou mercadorias leves para a Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo e colaborou no replorestamento da Serra da Cantareira. “Arremessamos milhares de sementes de árvores na Cantareira.”
A convivência com Adhemar de Barros, revelou, Carlos Alberto, sempre foi pacífica e amistosa. “Ele adorava voar em São Paulo para Campos do Jordão, seu refúgio preferido.” O fato mais inusitado aconteceu quando o governador pediu para o comandante pousar na região do Ibirapuera só para comprar um pastel na barraca da feira. “Naquela época era perfeitamente possível”, afirmou.
Carlos Alberto passou por momentos marcantes, como o primeiro voo de helicóptero da vida do caudilho Getúlio Vargas. “Tentei demovê-lo da ideia, explicando que o presidente estava arriscando a vida ao usar um meio de transporte não tão seguro; foi como se eu tivesse falado para um surdo”, brincava o comandante.
A carreira do aviador passou por momentos emocionantes, como o sobrevoo do edifício Joelma, consumido pelo fogo em fevereiro de 1974. Carlos Alberto presenciou o suicídio de dezenas de pessoas que não tinham como escapar das chamas. “Meu helicóptero foi o primeiro a chegar, não tinha onde pousar e assistia ao desespero das vítimas sem nada poder fazer”, mas a história conta de forma diferente sobre sua participação nesse incêndio. O Comandante sempre foi uma pessoa modesta.
Para relembrar, o incêndio do edifício Joelma ocorreu dois anos depois do incêndio do edifício Andraus. Diferente deste, o helicóptero UH-1H da FAB, foi a única aeronave a ser utilizada, efetivamente, na retirada das vítimas do telhado do edifício Joelma. (Em breve será contada essa história)
Outras aeronaves estiveram no local, mas por conta do forte calor e do Joelma não possuir heliponto, somente o helicóptero da FAB conseguia aproximar-se do telhado. Mas, mesmo assim, num momento insólito e de extrema audácia, o Comandante Carlos Alberto, com a ajuda do Eng. Carlo de Bellegarde de Saint Lary, pousou um Bell Jet Ranger 206A, PT-HBN (SN 229 – 1967/68), da empresa Pirelli, sobre uma pequena laje de um prédio vizinho ao Joelma. Ali, os bombeiros passaram cordas, ligando os dois prédios e tentavam retirar as pessoas que agonizavam no edifício em chamas. A imagem abaixo fala por si só.
Esse foi só o início de sua história. Ele foi o primeiro dos primeiros! Comandante Carlos Alberto Alves.
Autor
Texto adaptado por Eduardo Alexandre Beni, Coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, Grupamento de Radiopatrulha Aérea. É piloto comercial de helicóptero, instrutor de voo e editor do site Resgate Aeromédico.
Referências
- Gazeta Mercantil, edição de 22 de outubro de 1999, “Lembranças do primeiro piloto de helicóptero”, por Álvaro de Oliveira;
- Folder da APHESP, hoje ABRAPHE, de outubro de 1999, e
- Acervo do Comandante Cláudio Finatti.