O Resgate Aeromédico é um dos processos produtivos do Serviço Aeromédico, relevante nas ações para preservação de vidas. Nas cidades brasileiras, o cidadão já se habitou ao pouso repentino de aeronaves nas ruas estreitas e demais áreas urbanas, que não chegam a ser apropriadas às manobras, mas que servem de acesso para que equipes médicas cheguem, pelo ar, e prestem o necessário socorro aos acidentados mais críticos.
O voo da vida, como pode ser designado o Resgate Aeromédico, se reveste de complexo processo de decisão, desde o seu início, até o fim com a entrega do acidentado, no hospital regulado. É de meu entendimento que todas as informações produzidas no decorrer da missão, independente da origem (tripulação, rádios, instrumentos da aeronave e observação do ambiente externo), acabam sendo direcionadas para o piloto que está na função de comandante de aeronave, o qual fará a triagem em poucos segundos, convertendo tais dados em uma tomada de decisão.
Conforme pesquisa que fiz, há algum tempo, no Panorama Estatístico da Aviação Brasileira, publicado pelo CENIPA em 2016 e que avaliou as ocorrências aeronáuticas de 2006 a 2015, identificou que foram 03 (três) os fatores contribuintes dos acidentes aeronáuticos, que mais apareceram: Julgamento de Pilotagem, Supervisão Gerencial, Planejamento do Voo. Esses fatores representaram 31,7% do total de fatores contribuintes identificados.
No caso dos incidentes graves, os 03 (três) fatores contribuintes foram: Julgamento de Pilotagem, Supervisão Gerencial, Manutenção de Aeronave. Esses fatores representaram 36,9% do total de fatores contribuintes identificados.
Percebe-se que há um denominador comum, ou seja, o Julgamento de Pilotagem. Como disse acima, é o Comandante de Aeronave que vai receber diversas informações, em compressão de tempo (poucos segundos), diante de um cenário crítico e para realizar um pouso em área que conhecemos como restrita e não homologada, portanto, sem a preparação adequada, para o pouso de uma aeronave.
Sugiro então, que se invista mais no estudo do Processo Decisório, aplicado aos Comandantes de Aeronave e demais tripulantes, procurando desenvolver a análise dos cenários críticos, revestidos de incertezas, comuns às ocorrências aeromédicas.
Cabe destacar que nem todas as variáveis chegarão ao conhecimento da tripulação, durante a realização da missão, e por isso há que se tomar muita cautela, ao decidir, sendo de interesse institucional, capacitar as equipes aeromédicas, para a busca de soluções aceitáveis e que levem a resultados positivos.
A tomada de decisão, é uma habilidade que pode ser desenvolvida nos pilotos, com foco na Missão Organizacional, de modo a agregar segurança operacional e valorar a imagem organizacional. Trata-se de uma iniciativa fácil de ser implementada e que contribui com a busca pela excelência na prestação desse serviço.
Nos últimos dez anos, a aviação de segurança pública cresceu muito no país, seja por iniciativa de cada Estado ou com o apoio federal, utilizando helicópteros ou aviões, ficou comum a presença das aeronaves de segurança pública em apoio às atividades em terra, às mais variadas situações.
No último encontro que tivemos, falamos de Padronização na Aviação de Segurança Pública. Prometi que iríamos conversar sobre como fazer um POP (Procedimento Operacional Padrão). Então vamos lá!
Modelo de hierarquização da documentação do Sistema da Qualidade, onde MQ= Manual de Qualidade, PSQ= Procedimentos de Sistema da Qualidade e IT= Instruções de Trabalho.
A padronização, praticamente, chegou com a Revolução Industrial ou ao final dela. Podemos observar um exemplo de procedimento padronizado, nas linhas de montagem do “Modelo T” de Henry Ford, no início do século 20. Porém ficou claro que oferecer um único carro preto não era suficiente para agradar o consumidor e essa busca pela qualidade do serviço, sem desperdício de tempo e recursos, levou ao desenvolvimento de novos padrões.
O POP, quanto a sua aplicação, apresenta-se como base para garantir a padronização de tarefas e assegurar aos usuários um serviço ou produto livre de variações indesejáveis na sua qualidade final.
Você que trabalha na Aviação de Segurança Pública já se perguntou qual é o produto que sua Organização oferece para o cidadão? Não precisa responder ainda! Futuramente, vamos conversar sobre isso, mas seja qual for, padronizar suas atividades, significa procurar a melhor forma de “fazer”, criando um nível de qualidade elevado, valorizando o método tanto quanto o resultado.
Vamos dar algumas dicas de como fazer um POP:
• Quem executa a tarefa deve escrever o procedimento, ele é o dono do processo. Vamos considerar também a motivação dada ao agente de segurança pública, fazendo com que se sinta parte integrante do Sistema e que as diretrizes desse Sistema não venham impostas pela alta direção, mas que decorra da sua participação;
• Reúna grupos de trabalho para pesquisarem e discutirem sobre o assunto (pessoas que estão envolvidas na produção do serviço);
• Transcreva tudo que é feito em um papel e depois enumere o que foi escrito em ordem crescente.
• Evite copiar procedimentos que já foram escritos por outras organizações, pois isso poderá viciar o seu trabalho;
• Dê um nome ao seu procedimento – assim ele poderá ser associado a um processo;
• Material necessário – nesse campo citar todos os materiais imprescindíveis para a execução do procedimento (cordas, mosquetões, oito, armamento, EPI…)
• Dê um número ao seu procedimento – assim ele estará inserido dentro de uma sequência, com outros procedimentos,
• Estabeleça uma data – é necessário registrar o dia em que o procedimento foi adotado como padrão;
• Mantenha o controle de revisão – registrar a data em que a última revisão foi feita, o POP pode sofrer atualizações, porém, todas deverão ser registradas e controladas para garantir a lisura do procedimento;
• O número de ordem de sua última revisão – os procedimentos deverão ter registrado o número da revisão que está vigendo, em um campo apropriado no formulário; (ex: 1ª, 2ª ou 3ª revisão)
• Quem é o responsável – o responsável deve ser indicado no procedimento-padrão, (ex: Piloto, co-piloto, Tripulante, médico…);
• Descreva as atividades críticas – dentre as tarefas descritas, no procedimento, destacar as que poderão gerar prejuízo aos resultados esperados pelo processo, caso não sejam observadas;
• Descreva a seqüência das ações – descrever todas as tarefas necessárias para que o procedimento seja realizado como um todo, em ordem seqüencial de ações, orientando o operador;
• Resultados esperados – descrever o que se espera com a execução do referido procedimento;
• Ações corretivas – estão relacionadas à previsão de possíveis erros a serem cometidos na execução do procedimento, ações de correção devem ser previstas pelo instrumento de padronização;
• Possibilidades de erro – conforme estatísticas e levantamentos e com base na experiência dos profissionais que já executaram tarefas semelhantes, procure relacionar as ações ou situações comuns de erros na execução do procedimento descrito;
• Os esclarecimentos – algumas ações descritas no procedimento, como uso de equipamentos, ou outros que serão condutores do agente de segurança pública ao sucesso na execução do padrão, aqui você pode apresentar textos, filmes, desenhos, fotografias, esquemas ou outro recurso adequado, para melhorar o entendimento do procedimento e que a ele serão anexados, após aprovados;
• Diagnóstico do Trabalho – Estabeleça pelo menos cinco perguntas que vão permitir avaliar se o procedimento foi realizado corretamente ou não, para definir essas perguntas, dê foco ao item “Atividades Críticas” do procedimento; (lembraremos de item quando falarmos de supervisão)
• Doutrina Operacional ou Legislação – indique a doutrina e/ou legislação relacionados ao processo (procedimento), citando-os de forma bibliográfica, detalhando-se a página da obra ou artigo da lei; demonstrando que o procedimento escrito é fruto de um trabalho intelectual, com base nas normas vigentes e experiência acumulada ao longo de anos de trabalho prático.
A linguagem utilizada no POP deverá estar de acordo com o grau de instrução das pessoas envolvidas nas tarefas, procure ser simples e objetivo.
O conteúdo do POP, assim como sua aplicação, deve ter o completo entendimento e familiarização por parte dos agentes de segurança pública que tenham participação direta e/ou indireta na qualidade final do serviço que irão prestar.
Apresentamos para você o caminho para montar um procedimento operacional padrão, existem outras formas, mas de modo geral elas se assemelham e não alteram o produto final. Agora já pode seguir em frente e iniciar a padronização na sua organização. Boa sorte!
Na próxima oportunidade vamos falar sobre supervisão e atualização dos procedimentos.
Dica do site: Na Internet existe muito material sobre o assunto, mas se quiser se aprofundar, o que é recomendável para quem irá trabalhar com isso, existem cursos gratuitos (online) disponíveis no site da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) – Confira!
O Autor: MARCUS V. BARACHO DE SOUSA é Capitão da PMESP, atualmente é Comandante da Base de Radiopatrulha Aérea de São José do Rio Preto. Formado pela APMBB em 1996 e bacharel em Direito, participou entre 1999 e 2000 da comissão de criação dos procedimentos operacionais padrão da PMESP. O autor possui Curso de Comandante de Operações e Piloto Policial, 2001; Curso de Gestão pela Qualidade, 2002; Curso Modelo de Gestão da Fundação Nacional da Qualidade, 2010; trabalhou na Seção de Doutrina do GRPAe desde 2002, coordenando treinamento, criação, atualização de POP e PAP; Foi relator dos Relatórios de Gestão do GRPAe para os prêmios Polícia Militar da Qualidade, ciclos 2003, 2005 a 2009, onde o GRPAe conquistou os certificados bronze e prata.
Você gostou de padronizar a sua organização? Criou grupos de pesquisa e, em um trabalho intelectual, definiu quais são as principais práticas produtivas que garantem a entrega de um serviço ou produto ao seu cliente? Criou procedimentos operacionais padrão para garantir a melhor forma de fazer? Se começou, Parabéns! Então, está tudo resolvido e não precisa mais se preocupar!
Falamos sobre o ciclo PDCA e sua importância na manutenção dos procedimentos da sua Organização, a aplicação desse instrumento vai manter seus procedimentos atualizados e adequados, atendendo às expectativas do usuário, no caso da Aviação de Segurança Pública, a própria sociedade.
Entendo que em qualquer Instituição, o maior patrimônio, ainda são as pessoas, num primeiro momento isso pode parecer uma afirmação mais política do que prática, porém, a grande verdade é que nenhuma organização sobrevive sem as pessoas.
Tudo isso para falar com vocês sobre a supervisão. Esse termo é conhecido no nosso dia a dia e às vezes confundido com a fiscalização, que de certa forma têm seus conceitos semelhantes, mas observando melhor, percebi que são bem diferentes, quando aplicados na Aviação de Segurança Pública.
Dentro de uma Organização Aérea de Segurança Pública, observei que o ato de fiscalizar é bem diferente de supervisionar, principalmente quando tratamos da questão de padronização. Destacando também que supervisão ou fiscalização, serão exercidas pelas pessoas.
A fiscalização implica na simples verificação do que é feito certo ou errado pelo agente público, apontando violações e erros na aplicação do POP, mas não passa disso e muitas vezes não é suficiente para garantir uma prestação de serviço com qualidade. O fiscal não precisa compreender o padrão e sua finalidade, basta ler o POP e observar a aplicação prática, registrando a não conformidade e, algumas vezes, levando-a para o campo disciplinar, resultando na punição do policial, bombeiro, etc…
No ambiente padronizado a simples punição do agente público não é garantia de melhora nos processos produtivos, portanto, apontar o erro ou violação é apenas a ponta do problema que é muito mais amplo e complexo,ficando para trás fatos como aplicabilidade do POP em questão, treinamento adequado, equipamento compatível com as exigências, etc.
A supervisão se mostrou mais eficiente para uma organização padronizada e qual seria diferença? Começamos destacando que supervisionar é mais amplo e exige um envolvimento maior com o sistema padronizado, trata-se de uma preocupação com o método e acompanhar todas as fases do processo produtivo, indo além da percepção de um resultado positivo ou negativo.
A supervisão na Aviação de Segurança Pública terá um papel de acompanhamento e aconselhamento, acompanhando o ciclo PDCA constantemente, identificando as não conformidades na aplicação de um POP e procurando entender suas ocorrências para neutralizar seus efeitos.
A supervisão deverá ser exercida por pessoas da organização que conhecem bem os processos e entendam a relação que é formada pela organização, seus integrantes e os usuários de seus serviços. Os supervisores deverão ter formação contínua e deverão ocupar uma posição de observação, permitindo uma percepção limpa de todos os processos aplicados e se são eficientes para o objetivo a que se prestam.
O supervisor orienta a equipe de trabalho, os colegas e subordinados, também, tem entendimento do quanto o serviço prestado foi adequado e atingiu a expectativa do usuário (cliente). Normalmente tem uma atitude imparcial, prestigiando o padrão ao invés da atitude individual. Estão comprometidos em conscientizar as pessoas e buscam transparência nas relações profissionais internas e externamente com os usuários do serviço aéreo de segurança pública.
O supervisor preserva uma relação saudável e de confiança com os que são supervisionados, buscando o entendimento da não conformidade na aplicação do POP, verificando se o procedimento está de acordo com a realidade apresentada ou precisa de atualização, exclusão, substituição. Opiniões diferentes são consideradas e alternativas que surgirem serão colocadas em experimentação, sendo assim, poderá oferecer diagnósticos, do trabalho realizado que serão decisivos para o desenvolvimento de novos procedimentos.
O sucesso do sistema padronizado depende muito de relações de coordenação e cooperação bem sucedidas entre chefes e subordinados, e entre representantes da organização aérea e os seus usuários (clientes). A supervisão sabe fazer isso, a fiscalização, nem sempre. Na organização padronizada o erro é tratado de forma diferente da violação, a supervisão entende isso, a fiscalização nem sempre.
Sua organização está começando a se padronizar! Prepare os seus supervisores! Eles vão propiciar mais sucesso na sua empreitada. Boa sorte!
Na próxima vamos dar dicas de como preparar um supervisor.
O Autor: MARCUS V. BARACHO DE SOUSA é oficial da PMESP. Formado pela APMBB em 1996 e bacharel em Direito, participou entre 1999 e 2000 da comissão de criação dos procedimentos operacionais padrão da PMESP. O autor possui Curso de Comandante de Operações e Piloto Policial, 2001; Curso de Gestão pela Qualidade, 2002; Curso Modelo de Gestão da Fundação Nacional da Qualidade, 2010; trabalhou na Seção de Doutrina do GRPAe desde 2002, coordenando treinamento, criação, atualização de POP e PAP; Foi relator dos Relatórios de Gestão do GRPAe para os prêmios Polícia Militar da Qualidade, ciclos 2003, 2005 a 2009, onde o GRPAe conquistou os certificados bronze e prata
MARCUS VINICIUS BARACHO DE SOUSA Capitão PMESP – Cmt BRPAe de SJRP
A minha história na aviação começou em janeiro de 1985, quando entrei na FAB, ingressando na EPCAR (Escola Preparatória de Cadetes do Ar). Nessa época, ainda pude ver vários pilotos circulando com macacão laranja pelo pátio e usando aqueles óculos escuros, diferentes.
Aquele aluno, ainda com 16 anos, cheio de dúvidas e expectativas, foi bastante motivado, pelos “caras” de macacão laranja e óculos de armação dourada e lentes verdes (OKAPANEGÃO).
Podemos dizer que o OKAPANEGÃO é um óculos no estilo Ray Ban, de hastes retas e que permite ao piloto colocá-lo, ainda que usando capacete. Na verdade foi comum ver pilotos utilizando-o e passei quase seis anos, entre EPCAr e AFA convivendo com a cultura do OKAPANEGÃO.
Existem muitos contos a respeito do nome dado ao óculos (OKAPANEGÃO), não é encontrado para vender no Brasil, mais comum nos EUA, com os nomes AO e RANDOLPH.
Dentre a mística em volta do nome, tem uma que considero mais interessante e vou contar para vocês; quem souber de outra, por favor, compartilhe com a gente.
Dizem que há muitos anos, existia na AFA um instrutor que após orientar os cadetes aviadores no debriefing, encerrava dizendo “… OKAPA NEGÃO?”, com quem diz “… entendido?”, sendo esse instrutor de vôo detentor de um óculos diferente dos usados na época, passou-se a atribuir o termo característico àquele modelo de óculos escuro que ele usava: “OKAPANEGÃO”.
Algumas coisas não deram certo para mim e acabei não chegando ao final do curso de oficial aviador da FAB. Segui em frente! Entrei na PM de São Paulo e através dela tive outra oportunidade de ingressar na aviação, dessa vez na aviação de segurança pública. Acho que posso dizer que piloto é piloto em qualquer lugar, cheio de estilo, passando aos mais novos alguma cultura de aviação, uma dica de um pouso, uma aventura aqui, outra ali, sempre tem uma história ou estória para contar.
Em meio a essa nova fase, pude observar, quando cheguei no GRPAe/SP em 2001, que ninguém usava o famoso óculos e quando perguntava para alguns sobre o lendário OKAPANEGÃO, todos reagiam com surpresa e até riam, ficando claro que o desconheciam.
Em meados de 2006, encontrei o então Ten Cel Av Tebicherane, Oficial da FAB, que muito estimamos, visitando a nossa base (se não me engano, em um ciclo de palestras organizado pelo GRPAe). Nessa oportunidade, pedi ao referido Oficial para mostrar um OKAPANEGÃO para alguns companheiros que estavam por perto.
Imediatamente retirou-o do bolso e alguns que ali estavam, puderam ver o lendário óculos, feito sob medida e preferido dos pilotos. Naquele dia o então Ten Cel Av Tebicherane, também tirou de sua pasta um OKAPANEGÃO novinho e me deu, isso motivou muita gente a querer um.
Pouco tempo depois desse evento, eu mesmo providenciei mais 15 óculos desse modelo que foram distribuídos para alguns oficiais do GRPAe, que se interessaram na época.
Hoje vários pilotos têm o OKAPANEGÃO. Logo que chegam ao GRPAe, muitos procuram adquirir um, mas tudo começou com aquele que me foi entregue pelo Cmt Tebicherane. Ali começou a cultura do OKAPANEGÃO no GRPAe!
MARCUS VINICIUS BARACHO DE SOUSA Capitão PMESP – Cmt BRPAe de SJRP
Queria saber se tem algum aviador que nunca se perdeu?! Mesmo que seja no começo da carreira, em instrução….sei lá, acho que todo mundo se perdeu um dia, mesmo que por alguns minutos, experimentou a sensação de olhar no terreno em busca de uma referência….qualquer coisa que nos livre daqueles momentos, mesmo com a bússola na nossa “cara”, tem hora que a coisa não sai.
Vou contar uma história. Já faz um tempinho que aconteceu, mas me serviu muito na carreira. Trabalhei um tempo no setor de manutenção de aeronaves do Grupamento Aéreo de São Paulo e era normal a troca de aeronaves das nossas bases destacadas. Quando eu era um aviador novo (dizem que se chama manicaca), aproveitava as oportunidades de fazer uma navegação e ia com os mais antigos fazer essas trocas, assim era possível voar por todo o Estado de São Paulo. Ninguém discute a afirmativa de que São Paulo é um Estado muito grande, e eu percebi isso voando.
Estava voando com o Cmt do GRPAe e cá pra nós era um dos melhores instrutores que tínhamos, ele nos dava a oportunidade de aproveitar ao máximo o voo, considerando todos os aspectos desde o planejamento até o “pé e mão”. Então fomos para a Base de Ribeirão Preto levar um helicóptero e trazer outro que lá estava, Foi tudo bem na ida e já existia uma opção ótima para ajudar os 2P, o tal de GPS. Coisa linda é só apertar uns botões e ele faz tudo para você, te leva onde quiser e chegamos a Ribeirão Preto com muita facilidade.
Almoçamos com os colegas, batemos um papo e fui preparar o plano de voo para a volta, ao meu lado o fiel protetor do 2P, o GPS. Carta, régua, calculadora, etc…, fiz como deve ser e preparei plano para a volta a São Paulo, também deixei tudo programado no meu aparelho.
Entramos no Esquilo e meu instrutor foi deixando que resolvesse tudo, acionei a turbina, falei com a torre de controle, fiz a cópia do plano, liguei o GPS e decolamos. Tudo bem, nada melhor do que sair do chão e sentir a aeronave deslizar, ganhando os céus. Mas eu estava para aprender uma grande lição e claro, me deixou o comandante, voar com o aparelho e depois de alguns minutos, me deu a seguinte notícia: “Pane no GPS, a partir de agora você vai ter que chegar a São Paulo sem esse recurso”.
E agora? Não deu tempo de ver onde eu estava, pois, havia focado a minha atenção naquela “setinha” e o macete era deixar ela alinhada com uma “barrinha” desenhada na tela do equipamento, então… para quê me preocupar com “onde estou?” se o que me interessava era “pra onde eu vou?”. A coisa ficou difícil, manter a proa, altitude, velocidade, olhar a carta, falar no rádio e controlar todos os sistemas…. ”caiu a casa” e não demorou muito para eu reconhecer que estava perdido. Do meu lado o sábio instrutor, esperando e avaliando minhas decisões. Vi um aeródromo de uma dessas fazendas, dentre tantas que têm naquela região e então decidi, “Vou pousar lá e perguntar!”, o Comandante (instrutor) disse: “Não acredito que você vai nos fazer passar essa vergonha!”, respondi; “deixa comigo!”.
Pousamos e de imediato chegou um senhor, responsável pelo local, que nos ofereceu um café e água. Naquele momento o instrutor aguardava para ver aonde tudo aquilo ia chegar e claro, ainda não se conformava com a possibilidade de que eu perguntasse onde estávamos (claro que somente eu não sabia onde estava). Papo vai papo vem e eu tinha que definir aquela situação, mas também não ficava bem um aviador perguntar onde estava. Repentinamente me veio uma idéia e no meio da conversa com aquele senhor muito atencioso fiz a seguinte pergunta; “… achei essa região muito bonita,quem nasce aqui é o quê?”, a resposta foi suficiente para que eu percebesse que estava na região de São Carlos e planejasse o meu voo novamente. Decolamos daquela fazenda sem que percebessem minha falha, o nobre instrutor, sorrindo me disse; “… agora quando você não planejar seu voo, é só perguntar “…quem nasce aqui é o quê?”.
Aquela foi um grande aprendizado e nunca mais fiz um voo sequer que não fosse planejado nos mínimos detalhes. Ainda tenho meu GPS, mas nada melhor do que uma carta, régua e uma bússola, para garantir.
Lembrem-se que um Processo Produtivo pode ter mais de um POP, como por exemplo, o ato de fazer um café. Nesse caso, vários procedimentos podem ser descritos: como ferver a água, qual a quantidade de pó deve ser colocado no coador, qual a quantidade de açúcar ou adoçante, etc. Verificamos, de pronto, pelo menos três procedimentos para o processo “Fazer café”.
A mesma coisa vale para todos os processos produtivos de sua OASP (Organização Aérea de Segurança Pública), apenas observe, pesquise e escreva.
Esse modelo é apenas uma sugestão entre as muitas opções que existem para a elaboração de um POP. Identifique aquela que for mais adequada para sua Organização.
Importante lembrar que o conteúdo do modelo apresentado é um simples exemplo para facilitar o entendimento do leitor.
Observamos que a Aviação de Segurança Pública vem crescendo pelo Brasil. Não há novidade nessa afirmativa, mas o alerta é para considerarmos que esse processo de evolução vai trazer alguns problemas, grandes a cada dia e na mesma proporção.
Hoje vou tratar apenas de um deles, ou seja, a formação de Pilotos Policiais. Em regra o Piloto Policial começa sua carreira nas OASP, na função de Copiloto ou 2P (segundo piloto em comando). Algumas diferenças podem surgir de uma Organização para outra, mas acredito que, no geral, é assim que começa.
Quando a OASP tem um número reduzido de pilotos e uma demanda operacional compatível com sua quantidade de aeronaves e tripulação, a terceirização da formação tem se apresentado como opção adequada e suficiente.
Na medida em que aumenta a demanda pelos serviços aéreos de Segurança Pública, identificamos dificuldades para manter a continuidade na formação do Piloto Policial, e entregá-lo pronto para atuar, chegando a comprometer a operacionalidade.
Aspirantes à Piloto Policial têm viajado o Brasil na busca pela formação, oportunidades para adquirir habilitações PPH, PCH, Tipo ou experiência em Operações Aéreas de Segurança Pública. Dificuldades de aquisição de verba para custear a formação ou escolas de aviação que não reúnem condições legais para participar de um processo licitatório, podem representar o entrave na carreira dos profissionais de Aviação Policial/Defesa Civil.
A interpretação equivocada das RBAH 141 (Escola de Aviação) e RBAC 61 (Habilitações) potencializam as barreiras que vão fazer o Piloto Policial demorar mais do o necessário para assumir as funções de Comandante de Aeronave.
Ter uma Escola de Aviação na OASP pode ser uma das soluções para neutralizar os efeitos negativos que destaquei acima. Porém, alguns critérios devem ser considerados:
1) A Escola de Aviação deve ser Homologada pela ANAC, bem como seus cursos teóricos ou práticos (PPH, PCH, INVH, IFR…).
2) Lembre-se de padronizar as práticas produtivas de sua Escola, evitando o retrabalho e a negativa da ANAC em reconhecer o que foi realizado em descumprimento de norma em vigor.
Destaco os seguintes Processos e Procedimentos:
Seleção de Pessoal:
1. Elaboração de Edital;
2. Processo Seletivo;
3. Encaminhamento de Candidatos Aprovados aos Cursos;
4. Resposta a Recurso Administrativo ou Mandado de Segurança.
Controle das Habilitações:
1. Cheque inicial;
2. Revalidação de Habilitações.
Gestão de Cursos:
1. Elaboração de Calendário de curso;
2. Elaboração de Curriculum de curso;
3. Preparação de curso teórico;
4. Desenvolvimento de curso teórico;
5. Procedimentos pós-curso teórico;
6. Preparação de curso prático;
7. Desenvolvimento de curso prático;
8. Procedimentos pós-curso prático.
Agora você tem um caminho para começar a montar sua Escola de Aviação, esse setor será importante para a sua OASP, principalmente porque passará a ser o gestor da formação e treinamento de todos os seus Pilotos Policiais, estabelecendo padrões que vão agregar valor à segurança de sua Operação Aérea e qualidade na prestação do serviço.
Bons voos, com boa gestão!
O Autor: MARCUS V. BARACHO DE SOUSA é Capitão da PMESP, atualmente é Chefe da Escola de Aviação da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Formado pela APMBB em 1996 e bacharel em Direito, participou entre 1999 e 2000 da comissão de criação dos procedimentos operacionais padrão da PMESP. O autor possui Curso de Comandante de Operações e Piloto Policial, 2001; Curso de Gestão pela Qualidade, 2002; Curso Modelo de Gestão da Fundação Nacional da Qualidade, 2010; trabalhou na Seção de Doutrina do GRPAe desde 2002, coordenando treinamento, criação, atualização de POP e PAP; Foi relator dos Relatórios de Gestão do GRPAe para os prêmios Polícia Militar da Qualidade, ciclos 2003, 2005 a 2009, onde o GRPAe conquistou os certificados bronze e prata.
O gestor pensa primeiro no serviço ou no equipamento? Adaptamos o equipamento ao trabalho ou construímos nossa capacidade de resposta às demandas, com base em critérios bem definidos?
No que se refere às organizações aéreas, indica-se o pensamento no serviço que será prestado, para só então, definir a aeronave que se pretende adquirir. Nessa ordem não se correrá riscos na aquisição de equipamentos que estarão muito acima da necessidade institucional, o que significa uma elevação do custo operacional e possível comprometimento de sustentabilidade.
A melhor aeronave é aquela que conseguimos manter voando, levando em consideração a formação de pessoas, logística de manutenção, seguros, hangares, compatibilidade com os processos produtivos e satisfação do usuário dos serviços que se pretende oferecer.
Abandone os paradigmas que levam a decisões desalinhadas, pois, a grandeza de uma organização aérea não está no tamanho das aeronaves que possui e muito menos na quantidade.
A altivez se encontra na capacidade de sua força de trabalho, na liderança positiva de seus gestores e no refinamento do serviço que presta a seus usuários (clientes).
Não seja o “gigante” lento e desequilibrado, mas apresente sua organização como referência na satisfação de necessidades, eficiente, preciso e seguro, pois, a partir desse posicionamento, haverá real distinção e crescimento sedimentado.
Você já refletiu sobre os processos produtivos do serviço aeromédico? O que realmente entregamos como serviço para a sociedade?
Diferente de um objeto concreto, como um carro, sapato ou perfume, o serviço aeromédico é o produto intangível, porém, tão real e capaz de ser percebido, como qualquer outro.
Saber identificar exatamente os processos produtivos de serviço, vai facilitar a definição de estratégias e planos para garantir a melhoria contínua e tornar-se referência no setor.
Dessa forma, liga-se o pensamento em torno de tudo que é preciso, no que se refere a pessoas, recursos, tecnologia, entre outros, para realizar a entrega de um serviço que atenda as expectativas do usuário (cliente). Evita-se então, a perda de tempo e investimentos, entre outras coisas, com assuntos ou iniciativas que não contemplam o alinhamento institucional.
Para mim o serviço aeromédico apresenta-se nos seguintes processos produtivos:
Transporte de Órgãos ou Pacientes para transplantes;
Resgate Aeromédico;
Remoção Aeromédica;
Transporte de Equipe Médica a locais de sinistro.
Para cada um deles será necessário prever composição necessária para execução, considerando normas, formação de pessoas, regulação médica, protocolos de atendimento, sistematização operacional, recursos, estrutura hospitalar, aeronaves adequadas, etc.
Destaco também o processo “4.” como sendo a oportunidade de ampliar o serviço aeromédico para a população, levando equipe médica para os locais críticos, ofertando suporte avançado à preservação de vidas (Golden Hour), sem, contudo, transportar a vítima com a aeronave, a qual seria conduzida via terrestre, após ser estabilizada.
Essa proposta se apresenta como opção sustentável, para as regiões onde as Organizações Aéreas ainda não conseguiram equipar suas aeronaves para realizar o resgate aéreo, e/ou ainda não se conseguiu construir uma estrutura hospitalar adequada para receber a aeronave de resgate (ex: hospitais que não possuem ainda heliponto). Futuramente trataremos do tema em artigo específico.
Não há intensão de esgotar o assunto, mas destacar os processos de maior importância para a população, e promover a reflexão contínua para que todos os atores envolvidos se identifiquem dentro do sistema e possam participar e contribuir para excelência do serviço aeromédico.
Será que há realmente a possibilidade de que uma Organização traga para si a exclusividade para prestar o serviço aeromédico?
A Constituição Federal em seu artigo 144 atribui ao Estado Brasileiro o dever de garantir a segurança pública, preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio, enfatizando que é direito e responsabilidade de todos.
Em algumas leituras verifiquei as hipóteses de se ter, como razoável, a média de uma (01) aeronave aeromédica exclusiva por cada 1,5 milhão de habitantes, índice que pode estar muito mais próximo da realidade de países como EUA ou Alemanha, do que no Brasil. Há também a perspectiva de que nações mais amadurecidas nesse tema, tenham em torno de três (03) Organizações Aéreas dedicadas ao aeromédico, por milhão de habitantes, estimando-se cerca de setecentas (700), dessa natureza, na Europa, enquanto na América Latina, não chega a 40 (http://a21.com.mx).
ADAC Helicopter Emergency Medical Service (HEMS) Academy, Alemanha.
Seguramente, no Brasil estamos distantes de atingir tais índices e nem sabemos se chegaremos a níveis equivalentes, pois, em geral as Organizações Aéreas Públicas que se dedicam ao setor aeromédico, também direcionam suas aeronaves para outras demandas, ou seja, não têm seus processos produtivos dedicados exclusivamente às atividades aeromédicas.
Contando com menos de 300 aeronaves, juntando todas as UAP (Unidades Aéreas Públicas) do Brasil, pode-se perceber quão distantes estamos e o tamanho do trabalho a ser realizado. Assim, certos de nossas limitações na citada atividade, eu sugiro trocar a preocupação com exclusividade no serviço, pela busca de integração de todos os atores interessados em contribuir com o setor aeromédico.
Organizações que já atuam ou têm o interesse em incluir no seu escopo o serviço aeromédico devem buscar conexão entre si, sejam Federais, Estaduais, Municipais ou Privadas, de modo a sistematizar o emprego de seus recursos e direcioná-los a um trabalho eficiente e em favor da vida.
Operações Aéreas Samu 192, SESA, PR. Saúde 02 (Cascavel), Saúde 09 (Londrina) e Saúde 10 (Maringá). Foto: Consamu
Entendo como importante, a unificação de interesses para buscar o refinamento de práticas produtivas, buscando evitar que serviços sejam replicados, regulação deficiente, carência de recursos, ausência de protocolos, áreas descobertas, hospitais sem estrutura para receber as aeronaves, desalinhamento na formação de pessoas e outras inconformidades comuns ao tópico.
Considerando que em um ambiente desejável, necessitaríamos ter, no Brasil, cerca de 400 aeronaves dedicadas unicamente ao serviço aeromédico, parece-me sem sentido, qualquer disputa por espaço, pois, há oportunidade de crescimento para todos, bem como excessiva demanda que vem sendo reprimida, ao longo dos anos, sem, contudo, ser aferida.
Certo de que ainda não conseguimos construir um ambiente em que a exclusividade, contemple as aeronaves, não há porque buscar isolamento na execução do aeromédico.
Contrariando a proposta de solidão nesse espaço complexo e importante para a sociedade, recomendo buscar uma governança participativa, integrando todas as partes interessadas em um esforço positivo para expansão de uma atividade que salva vidas, onde cada um poderá contribuir e potencializar suas ações.
Com o advento da Lei Nº 11.079 de 30 de dezembro de 2004, criou-se a oportunidade para a Parceria Público Privada, em esfera federal, abrindo espaço para participação do setor privado em áreas que eram específicas do ente público, buscando promover o bem-estar social. Portanto, soma-se a possibilidade do Ente Público unir-se ao Privado em prol da ampliação do serviço aeromédico, e por que não sentarmos a mesa para conversar?
Antes da Lei Nº 11.079/04 já havia outras normas que amparavam as parcerias do público com o privado, como a Lei 8.666/93 (Licitações e Contratos da Administração Pública), Lei Nº 8.987/95 (Concessão e permissão da prestação de serviços públicos) e mesmo os Estados já legislavam sobre as PPP.
Helicópteros da Segurança Pública nas operações de Brumadinho, MG. Foto: Divulgação CBMMG.
Não poderia deixar de destacar o exemplo de integração que testemunhamos na tragédia de Brumadinho/MG, onde União, Estados, Municípios e toda uma Nação se uniu para tentar minimizar o sofrimento das pessoas. Um evento em que não percebi cores, além do marrom da lama no corpo de vários heróis anônimos que incansavelmente buscaram em rejeitos, o mais fraco sopro de vida. Diante de uma das maiores crises de Defesa Civil já vista, não faltaram voluntários para dar o passo à frente e levarem sua coragem, habilidades e recursos para servir aos que mais precisavam.
E se conseguimos nos unir em situações críticas, acredito que, em tempos de paz, será muito mais fácil buscar o entendimento e a união para o desenvolvimento do serviço aeromédico no Brasil, tornando-o direito e responsabilidade de todos.
Bons voos, com boa gestão!
Marcus Vinicius Baracho é Ten Cel da Polícia Militar de São Paulo, Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, piloto de helicóptero, instrutor de voo e bacharel em Direito.
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