Por falta de visão estratégica, muito jogo de empurra e até disputa de vaidades, a Polícia Militar de Santa Catarina está prestes a perder uma oportunidade histórica de contar gratuitamente com dois helicópteros, modelo Bell 412, capazes de transportar até seis vítimas em macas ou treze passageiros e voos por instrumentos à noite. Equipamentos que fariam toda a diferença no socorro às vítimas em tragédias climáticas como a do Morro do Baú, em 2008, e as enchentes em Blumenau. As duas aeronaves atuais da corporação, um Koala em Florianópolis e um Esquilo em Joinville, têm limitações técnicas. Levam, respectivamente, duas e uma maca nas operações de resgate.
Vamos aos fatos. Ainda em 2012, por conta da Copa do Mundo, a Polícia Federal em Brasília comprou dos helicópteros novos. Ela operava com os Bell 412, o mesmo utilizado pelas principais policias e bombeiros do mundo, como a de Nova York. Com a aquisição, a PF resolveu doar os seus dois modelos para algum Estado da federação interessado. Sem nenhum custo para a transferência do patrimônio, orçado em R$ 30 milhões. A Secretaria de Segurança Pública de SC foi informada sobre a oportunidade única. Entrou no jogo e levou.
O próprio secretário Cesar Grubba foi a Brasília conhecer as aeronaves, a convite da direção da PF. Foi recebido por oito delegados-pilotos, que prestaram todas as informações. Em perfeito estado de manutenção, elas operavam normalmente. Ficou acertado a cessão de uso sem custos dos dois helicópteros para a PM catarinense por cinco anos. Ao fim do período, seriam doados em definitivo para o Estado. Foi então assinado um termo de cooperação entre a PF e a SSP-SC, publicado no Diário Oficial da União no final de 2012 (copia do documento). Grubba e o comandante-geral Nazareno Marcineiro chancelaram o documento.
Caberia à PM apenas os custos de pintura (personalização) e compra de macas, farol para busca noturna e cesto de água para combater incêndios. Além, é claro, da manutenção e combustível. A contrapartida seria compartilhar os helicópteros para eventuais missões da PF em Santa Catarina. Tudo acertado. Todo mundo feliz. Em 2013, os meses foram passando e nada de a PM finalizar a incorporação dos equipamentos. Até que foi marcado para o final de outubro um pregão presencial para a compra dos equipamentos e finalmente receber os “brinquedinhos”, considerados referência mundial no emprego de multimissão (seja policial ou defesa civil).
Até que uma semana antes da licitação de número 131, uma comissão com alguns oficiais do Estado Maior da PM reuniu-se e, acredite, mudou de ideia. Decidiu não aceitar mais a doação da Polícia Federal, alegando que os custos de manutenção seriam elevados. O edital, então, foi sumariamente cancelado. Com base nas informações desta comissão, Grubba encaminhou ofício à direção da PF informando que o Estado não teria mais interesse nas aeronaves. O mesmo argumento é utilizado pelo coronel Nazareno.
Em ata, a comissão alegou que o custo de manutenção das duas aeronaves chegaria a R$ 6 milhões/por ano. Este Visor ouviu pelo menos três especialistas em aviação de fora do Estado. Todos afirmaram que este item está supervalorizado. O valor para a manutenção de cada aeronave Bell 412 fica em torno de R$ 2,2 milhões ano, ou R$ 4,4 milhões, bem abaixo dos alegados R$ 6 milhões. Para se ter uma ideia, o Esquilo da PM de Joinville que transporta apenas quatro pessoas, ao contrário do Bell 412 que leva 13 passageiros, custa R$ 1,8 milhão ano em manutenção. Portanto, a diferença fica em torno de R$ 400 mil.
Outra alegação seria a de que a formação de oito pilotos para as aeronaves, com curso no exterior, sairia R$ 1 milhão. Uma das mais renomadas escolas de helicópteros na Europa, que fica em Portugal, estimou a habilitação para oito homens em R$ 460 mil. A PF também previa a entrega de R$ 1,5 milhão em peças sobressalentes, garantia de poucas despesas por um bom tempo…
Há na PM quem considera as aeronaves velhas (1982). Para se ter uma ideia, a Força Aérea Brasileira (FAB) ainda utiliza os modelos Bell 205,conhecido como sapão, aqueles da guerra do Vietnã, fabricados nos anos 1960. O Bell 412 é um helicóptero bimotor, ou seja, com muito mais autonomia e tecnologia durante os voos. Na foto, menor, enviada pela PF, dá para ver a aeronave que viria para SC em plena operação.Sem contar que no caso da incorporação das novas aeronaves seria possível transferir as atuais de Florianópolis e Joinville para outras regiões do Estado, criando mais duas bases como no Sul ou Serra, por exemplo.
Mas como Santa Catarina parece ter mais sorte do que juízo, a direção da PF ainda não oficializou a suspensão da transferência. Um movimento político está em andamento para reverter a decisão e trazer novamente os helicópteros para o Estado. O senador Luiz Henrique da Silveira entrou em campo. Classificou como inaceitável e equivocada a decisão do comando da PM. Por mail, a assessoria do governador Raimundo Colombo informou que a incorporação das aeronaves foi cancelada com base no laudo da PM.
Tal opinião não é compartilhada pelas policias do Distrito Federal, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Ao saberem da desistência de SC, formalizaram pedido para receber os Bell 412. Quem sabe na próxima tragédia climática, a PM reveja sua posição. Afinal, investir R$ 600 milhões em obras de prevenção às cheias é muito importante. Mas quem irá prestar o pronto emprego no socorro, assim que for identificada a calamidade?
Em entrevista ao DC, neste domingo, o secretário César Augusto Grubba, afirmou que não vai reconsiderar a decisão. Confira a entrevista:
Diário Catarinense – A direção da Polícia Federal ainda não oficializou a suspensão da transferência dos dois helicópteros para Santa Catarina. Ainda existe a possibilidade de a Secretaria de Segurança Pública aceitar essa doação?
César Grubba – Não, não existe. A decisão está tomada e foi fundamentada em critérios técnicos. Fizemos estudo, temos todo o processo desde quando a oportunidade surgiu. O coronel da Polícia Militar Milton Kern estava na Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), em Brasília, e fez o contato com a Polícia Federal, que ofereceu as duas aeronaves. Fizemos um protocolo de intenções, e o levantamento dos custos para colocar os helicópteros em funcionamento, da manutenção mensal, do local para treinar os pilotos. Fizemos várias reuniões com os comandos Geral da PM, do Batalhão de Aviação Aérea, do Estado Maior. Chegamos a conclusão que era inviável para Santa Catarina, que esse custo mensal de manutenção era muito alto.
DC – Na coluna Visor, especialistas observam que o custo anual de manutenção das duas aeronaves seria cerca de R$ 1,6 milhão a menos do que o avaliado pela comissão da SSP.
Grubba – Temos todos os orçamentos e levantamentos no processo, que é público. Todos que quiserem podem ir à Secretaria de Segurança e consultá-lo. Existem outros helicópteros da Polícia Federal, do mesmo modelo, baixados, e o custo para colocá-los em operação é muito alto, inclusive o de peças para reposição. E são dois tipos de custos. O de aeronavegabilidade, que é colocar o helicóptero em funcionamento, e o da manutenção mensal. Fora os imprevistos, como a quebra de uma peça, por exemplo. Nossa decisão é colegiada e baseada em critérios técnicos. Levei o processo para o governador e disse à ele sobre nossa decisão.
DC – A assessoria do governador Raimundo Colombo informou que a decisão teve como base o laudo técnico que aponta que “os helicópteros são grandes e ameaçam destelhar casas…”. Em desastres ambientais como as enchentes de 2008, quando casas já estão destelhadas, essas aeronaves não seriam importantes para salvar vidas?
Grubba – Nesse aspecto concordo que a aeronave é útil. Inclusive coloquei ao coronel Kern a possibilidade de aceitarmos uma das aeronaves. O custo de manutenção é igual, mas uma delas tem um custo de aeronavegabilidade mais em conta. O coronel disse na época que não havia como doar apenas uma. E duas, o custo é inviável. O governo tem outras prioridades. E temos dois helicópteros em Florianópolis, um da Polícia Civil e outro da Polícia Militar. Em Joinville, temos um da PM. Em fevereiro, teremos mais um da PM, que ficará em Chapecó. E temos um helicóptero dos Bombeiros em Florianópolis que atende todo o Estado.
DC – Temos poucos helicópteros no Estado, então. Nos recentes incêndios de grandes proporções na Ilha, por exemplo, o Arcanjo (helicóptero do Bombeiros) teve que se dividir no atendimento à outras ocorrências.
Grubba – Sim, mas há estados que não têm nenhum.
DC – Mas Santa Catarina é um estado rico.
Grubba – Rico, mas tudo que estamos fazendo tem um custeio. Por exemplo, construir um prédio do Instituto Geral de Perícias (IGP) em mais um município tem um custo de manutenção. Tudo tem um custo.
Fonte: Rafael Martini, na coluna Visor e Diário Catarinense