- Anúncio -

“Uma história real que nos faz refletir e traz muito aprendizado. Obrigado Comandante pelos ensinamentos e por contar a sua história. Falar sobre fatos reais tem mais valor quando fazemos parte deles.” Eduardo Beni.

ALVER SATHLER

A Ocorrência

No período de 17 a 25 de agosto de 2003, estávamos cumprindo missão no Estado de Pernambuco na região do polígono da maconha, tendo como base a cidade de Salgueiro. Apoiávamos as atividades desenvolvidas do Núcleo de Operações Especiais – NOE da Polícia Rodoviária Federal daquele estado.

Nossa tripulação era composta por mim (Alver Sathler) como comandante, pelo Co-piloto/PRF Claudinei, pelo OEE/PRF Basílio e pelo Mecânico/PRF Ênio na aeronave “Patrulha 08”, EC 120 Colibri, matrícula PR-FPM. Neste período, em missão no “Patrulha 08”, o piloto Claudinei estava sendo avaliado para o check de comando da aeronave citada.

Na tarde do dia 20 de agosto de 2003 avistamos, próximo da rodovia federal, uma grande roça de maconha que ainda não tinha sido colhida. Como estávamos em operação há alguns dias, todas as roças avistadas já tinham sido queimadas em virtude da Polícia Federal estar fazendo o combate concomitantemente.

No avistamento desta roça uma coisa nos chamou atenção, havia uma lona azul na lateral da roça e junto a ela foram observados 3 indivíduos que estavam preparando o que parecia ser maconha. Como a área da roça estava bem próxima da rodovia informamos a equipe de terra e passamos a orientar as viaturas para que pudessem chegar ao local.

Foram 40 minutos de sobrevôo até que as viaturas chegassem próximo do local e passassem a caminhar até o local indicado pela aeronave. Durante o período de movimentação das viaturas até o local permanecemos fazendo sobrevôo do local sem perder de vista os indivíduos e as equipes de terra.

Quando as viaturas chegaram ao local mais próximo foi dado orientação pela aeronave que o melhor seria prosseguir caminhando por trilha. As equipes se dividiram e chegaram local indicado pela aeronave. Neste momento a aeronave se encontrava sem uma boa posição de observação e foi solicitado, por mim, ao co-piloto Claudinei, que o mesmo procedesse um giro de 360º sobre o cenário da operação e que retornasse a aeronave à posição original.

Os tiros

Enquanto estávamos perfazendo a órbita estipulada descemos mais um pouco em altura para observar melhor o local, ainda mais que as equipes em terra tinham transmitido a informação que o local se encontrava vazio e que os indivíduos tinham se evadido. Mais ou menos na metade da órbita estipulada escutamos estouros como de “pipoca em panela” e como uníssonos todos a bordo falaram “estamos tomando tiro”.

A emergência

Neste momento assumi os comandos da aeronave, já que por procedimento de segurança tínhamos brifado que em qualquer situação de emergência eu assumiria os comandos. Os tiros provocaram vários furos na aeronave e com isso o som do ar dentro da aeronave modificou e passou a ser igual, idêntico ao barulho de perda de motor e passei por um conflito mental, se de um lado o ouvido dizia para o meu cérebro que a turbina tinha sido perdida (assimilados por vários treinamentos do procedimento de emergência) do outro meus olhos viam o VEMD “todo dentro”, com os arcos no verde, sendo que, mesmo assim, minha mão já tinha colocado o coletivo para baixo e pronto para auto-rotação.

Neste instante o OEE Basílio me avisa daquilo que eu não tinha me apercebido. Eu tinha levado um tiro. Olhei para o meu braço direito e para minha surpresa meu cotovelo tinha virado uma “flor”, estava totalmente aberto. Neste momento infinitesimal que eu olhei meu braço, vendo-o ferido e sem sentir nada pensei: “Se eu tomei um tiro e não senti, meu co-piloto tá morto e não sabe”.

A consciência dos fatos

Olhei para o lado e vi os olhos do Claudinei. Perguntei: “Você tá bem?” Ele afirmou com a cabeça e eu disse: “Assume”. Quando ele pegou nos comando recolhi meu braço direito usando a mão esquerda para puxá-lo. O piloto Claudinei assumiu com a postura e a firmeza padrão de um grande comandante. Fez fonia chamando o “Caçador” da Polícia Federal que estava próximo da região para dar apoio às equipes de terra, tirou a posição do GPS para reportar a outra aeronave e assumiu a aeronave para resolver.

Decidimos que o melhor local para me levar seria a cidade de Salgueiro que era a maior na região e tinha apoio de hospital para os primeiros socorros. Salgueiro estava a pouco mais de 13 minutos de vôo e que 13 minutos demorados. Nos primeiros 5 minutos do tiro você não sente nada. Utilizei esse tempo para ligar, via celular, para o meu pai que é médico, pedindo para ele providenciar uma equipe de apoio em Recife. Liguei para minha esposa para avisá-la que estava bem e “só” tinha tomado um tiro.

Fiz isto porque mulher de polícia quando descobre que o marido levou o tiro, na verdade ele já tá morto e só estão contando aos poucos para ela. Passados os 5 minutos a dor veio com força. É fácil caracterizá-la. Coloque seu braço num torno e comece a apertar, quando começar a doer em vez de parar continue apertando, é a mesma sensação.

O salvamento

Os colegas Basílio e Ênio providenciaram um torniquete para estancar o sangramento, pois já podíamos ver o piso da aeronave completamente cheio de sangue. Durante o vôo a dor foi aumentando consideravelmente e comecei a perder a consciência. Os colegas ficaram preocupados e gritavam comigo para eu manter-me atento e faziam-me repetir várias vezes meu nome, minha matrícula, meus telefones para que minha mente se mantivesse acordada. O que sentia era uma dor tão forte que os olhos iam fechando de dor.

Quando chegamos próximo a Salgueiro disse para o comandante Claudinei que ele estava autorizado a fazer um pouso direto na delegacia da Polícia Federal, tendo em vista que tínhamos operado naquele local por vários dias e ele conhecia bem a área de pouso. Há um minuto fora eu apaguei de dor e só acordei com aeronave pousada. A saída do banco para a maca foi um momento muito dolorido, pela mudança de posição e pelo braço que estava totalmente triturado do cotovelo até metade do braço. Fui levado por uma ambulância para o hospital de Salgueiro e lá me disseram que só tinha uma coisa a ser feita: Amputar.

Como ainda estava acordado disse que não permitiria e pedi que me transferissem para Recife para outro tipo de atendimento. Fui transportado pelos irmãos da Polícia Federal no “Caçador” tendo como comandante o amigo Álvaro e seu tripulação. Depois fui transbordado para o Sêneca da PRF e chegamos a Recife. De lá fui transferido no outro dia para Brasília e passei por duas cirurgias para reconstrução do braço.

A trajetória do tiro

Não comentei, mas o tiro antes de atingir o braço passou pela perna direita e graças a Deus só atingiu a musculatura o que não ocasionou nenhum mal maior. Não percebemos que tínhamos passado sobre o traficante que estava escondido debaixo de uma árvore. Ele descarregou um AK 47 de baixo para cima no nosso helicóptero, sendo que os tiros foram todos do meio para trás da aeronave.

Atualmente

Passei dois anos em tratamento, mas não consegui voltar toda a amplitude do braço e com isso fui aposentado. A aposentadoria não foi integral, nem em paridade com quem está na ativa, isto por visão da Administração da PRF que não achou que tudo isto tenha sido “acidente em serviço”, porém isso é uma outra história.

O Aprendizado

Deste grande fato que aconteceu na minha vida gostaria de tirar algumas reflexões:

  1. Valorize sua tripulação em cada atitude, pois todos são fundamentais, se não, não estariam a bordo.
  2. Não “pague pano preto” para o seu co-piloto, ensine tudo para ele, pois pode ser ele o comandante que irá te levar, a salvo, para o solo.
  3. Não deixe para ensinar depois, pois pode ser tarde.
  4. Agradeça a Deus cada pouso e saiba que eles só aconteceram por causa Dele.
- Anúncio -