Comando da Aviação da Polícia Estadual de Maryland, EUA: uma lição importante

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Após um acidente fatal em 2008, o Comando da Aviação da Polícia Estadual de Maryland, EUA (Maryland State Police Aviation Command – MSPAC) decidiu adotar para suas operações as normas contidas na FAR 135 da FAA (no Brasil equivale a RBAC 135 da ANAC), substituiu sua frota de helicópteros e adotou novos programas para assegurar o sucesso de sua missão: salvar vidas.

O MSPAC, sediado no aeroporto de State Martin, próximo de Baltimore, é reconhecido como um operador público “multimissão” e sob a égide das regras da FAR 91 da FAA (no Brasil equivale a RBAC 91 da ANAC). Possui 160 profissionais na área e realizou mais de 20.000 voos com helicópteros desde sua criação, em 1970. Delegações da China, Rússia, Brasil e Itália realizaram visitas técnicas a fim de conhecer o novo modelo adotado pelo MSPAC.

Os 50 pilotos e 45 paramédicos do comando operam uma frota de 11 aeronaves Eurocopter AS365, de sete bases distintas, distribúidas por todo o estado de forma que as aeronaves estajam a apenas 30min de todos os centros de trauma do estado.

Os serviços de transporte aeromédico, também conhecidos como operações aeromédicas da emergência (HEMS) , são responsáveis por 80% das missões da unidade, que também inclui missões de busca e salvamento, apoio policial, acompanhamento de perseguições, atividades de segurança interna e de avaliação de desastres.

A unidade também utiliza duas aeronaves de asa fixa, um bimotor Beechcraft Super King Air 350 e um monomotor Cessna Centurion P210, baseados no aeroporto de Martin State e utilizados principalmente para missões policiais, como o transporte de prisioneiros.

“Nós não temos que transportar pessoas ou realizar voos para gerar receita”, diz Walter Kerr, comandante da seção de garantia de qualidade das operações de helicópteros (NT: helicopter operations quality assurance commander). “Se qualquer uma dessas operações não forem seguras para serem cumpridas, não temos que nos preocupar com a perda de receitas para a nossa organização.”

Este modelo minimiza o risco de ocorrer o “shopping de helicóptero” – que ocorre quando um operador nega um apoio aeromédico devido ao mau tempo, por exemplo, e a pessoa que fez o pedido solicita para outro operador próximo, que por sua vez, irá assumir o risco e realizar a missão. Os operadores vêem a prática como um perigo em potencial para a segurança operacional, de como o desejo de gerar receitas pode obrigar operadores a assumir missões de alto risco.

Mesmo assim, as missões do MSPAC tem estatísticas de acidentes fatais. A evolução da segurança operacional da unidade ocorreu principalmente após um acidente ocorrido em janeiro de 1986 com uma de suas aeronaves Bell 206 JetRanger, vitimando os dois membros da tripulação. O Estado reagiu com aquisição de novas aeronaves Eurocopter AS365, que, ao contrário dos Bell JetRangers, foram projetadas para operações de evacuação aeromédica. Além disso, a unidade aprovou novos procedimentos de segurança e padrões de procedimentos mais elevados de operação. “Nem todo acidente provoca uma evolução, mas faz com que você reavalie [suas operações]”, diz Kerr, um piloto e paramédico que está no MSPAC há 23 anos e já voou cerca de 5.000 missões.

O MSPAC permaneceu 22 anos sem um acidente, até 27 de setembro de 2008, quando um Eurocopter AS365 N1 caiu durante uma aproximação noturna para a pista 19 direita na Base Aérea Andrews. O piloto, um paramédico de voo, um paramédico de solo e uma das duas vítimas a bordo morreram.

A causa provável do acidente, de acordo com o NTSB (National Transportation Safety Board) americano, foi “uma tentativa de recuperar condições visuais, realizando uma descida rápida e sua incapacidade para deter a descida na altitude mínima de descida”. A investigação destacou várias questões de segurança, incluindo a capacidade do operador na avaliação de risco, falta de sistemas de consciência e alerta de terreno no helicóptero, o desempenho dos pilotos e de sua formação e deficiências do controle de tráfego aéreo.

O incidente ocorreu durante um alarmante período de aumento de acidentes envolvendo operadores de emergência aeromédica. De 1992 a 2009, 135 acidentes resultaram na morte de 126 pessoas, segundo a FAA. A taxa de acidentes aumentou com o crescimento dos operadores de HEMS.

Segundo a Associação de Serviços Aeromédicos  Atlas (Association of Air Medical Services’ Atlas) e dados de 2010, no ano passado o número de prestadores de serviços aeromédicos havia atingido o número de 373, contra 32 operadores em 1980. No mesmo período 1980-2010, a frota de helicópteros cresceu de 39 para 900, e o número de pacientes transportados anualmente subiu de 17.000 para 500.000.

Em 2009, o MSPAC voou 2.292 missões, 2.079 das quais envolvendo transportes de vítimas. Em 2010, a unidade voou 2.305 missões, 2.114 das quais foram medevacs. A maioria das missões são do local do acidente para um centro de trauma, ao passo que os operadores comerciais geralmente voam missões de hospital para hospital.

Após o acidente de setembro de 2008, o MSPAC começou a trabalhar para “cumprir totalmente” as recomendações emitidas pelo NTSB, que pediu à FAA que obrigasse todos os operadores do serviço de emergência aeromédica cumprisse as exigências contidas na FAR 135 quando em operações com pessoal médico a bordo. O NTSB também recomendou que esses operadores desenvolvam programas de avaliação de risco, instalação de sistemas de consciência e alerta de terreno no helicóptero, bem com prover treinamentos baseados em cenários.

SISTEMA DE GESTÃO DE SEGURANÇA

O NTSB emitiu cerca de 20 recomendações de segurança relacionadas à HEMS nos últimos 11 anos. Muitos foram emitidos após a consulta pública sobre a segurança HEMS de fevereiro 2009 e estão inseridas no anúncio da proposta da FAA de regulamentação de HEMS para melhorar sua segurança operacional. Esta proposta foi publicada em 12 de outubro de 2009.

Após as recomendações do NTSB, o MSPAC introduziu um sistema de gestão da segurança – “um trabalho em andamento”, diz Mike DeRuggiero, que lidera a seção de gestão da segurança do comando. Em seu nível atual de desenvolvimento, membros da tripulação podem comunicar todas suas preocupações de segurança, que por sua vez são investigadas e corrigidas pelos gestores de segurança.

DeRuggiero diz que o MSPAC está se esforçando para obter a certificação FAR 135 para as missões de evacuação aeromédica e da adoção de “critérios igual ou superior à FAR 135 para todas as suas missões”. Está sendo feita uma avaliação das propostas de mudanças por consultores certificados a fim de facilitar e desenvolver uma parte do programa da FAR 135, acrescenta.

A FAR 135 inclui a definição de critérios maiores de mínimos metereológicos, a realização de avaliação de riscos antes de aceitar uma missão de helicóptero e instalação de sistemas de consciência e alerta de terreno no helicóptero.

Outra exigência da certificação exige cumprimento das especificações de regras de voo visual HEMS A021 da FAA, que ajuda a tripulação a determinar a altitude mínima de segurança para todas as pernas de uma determinada missão.

A mudança para a FAR 135 será sequencial. A operação de manutenção, um centro de manutenção FAR 145 baseado no aeroporto de State Martin, deverá ser 100% compatível com a FAR 135, e em fevereiro especificações elaboradas por consultores estão sendo avaliadas pela Eurocopter, paraincluir nos helicópteros sistemas de consciência e alerta de terreno no helicóptero conforme a FAR 135.

DeRuggiero acrescentou que a adaptação da frota antiga – oito das 11 aeronaves tem mais de 20 anos – tem um custo elevado. Os AS365s, que têm capacidade full IFR, são equipados com radares altímetros infravermelho frontal, óculos de visão noturna utilizados exclusivamente pelos paramédicos, um guincho de 81 m (265ft) com capacidade de carga de 272 kg (£ 600) e içamento de 150ft/min, bem como um farol de busca NightSun.

Dick Bruns, um veterano piloto do MSPAC, diz que as tripulações consideram a aeronave Eurocopter como uma aeronave multimissão muito boa, “mas está na hora de passar para a nova tecnologia”.

CONTROLE DIGITAL DE VOO

As aeronaves Eurocopter serão desativadas conforme a introdução das novas aeronaves, já compatíveis com a FAR 135. Em outubro de 2010, o estado de Maryland, anunciou um pedido de US $ 72 milhões para seis aeronaves biturbinas médios AgustaWestland AW139, cada uma equipadas com dois motores Pratt & Whitney PT6C-67C.

As duas primeiras deverão ser entregues em abril de 2012. Todos as seis aeronaves estarão em operação até outubro de 2012. O AW139 terá sistema de controle de voo automático de quatro eixos, aviônicos Honeywell Primus Epic integrados, sistemas de consciência e alerta de terreno e gravadores de voz e vídeo da cabine.

O MSPAC voa missões com uma tripulação composta de um piloto e um paramédico. A aeronave pode transportar até dois pacientes, mais um paramédico de contingência para ajudar os paramédicos. DeRuggiero diz que o comando prevê  operar no futuro com dois pilotos e dois paramédicos.

As missões do MSPAC estão longe de serem confortáveis. Pilotos e paramédicos operam em condições de risco, muitas vezes, à noite, com condições de baixa visibilidade, e em um ambiente cheio de obstáculos de fios, torres e edifícios, ou em terreno acidentado. O tamanho mínimo exigido da zona de pouso é de 14m x 14m.

Para se qualificar a vaga de piloto, o candidato deve possuir licença de piloto comercial IFR de helicóptero e ter um mínimo de 2.000 horas de voo – tudo em helicópteros. Já um paramédico deve ter o treinamento normal de paramédico, ter a certificação nacional como técnico-paramédico de emergência médica válida,  além de um certificado de paramédico do estado de Maryland , além de três anos de experiência nos serviços de emergência médica de “suporte avançado de vida”.

Ambos passam por um rigoroso treinamento, de acordo com Bill Bernard, diretor de operações de voo do MSPAC  . Os pilotos devem passar voos de check de verificação IFR duas vezes por ano e executar com êxito duas aproximações IFR um mês.

Há também um treinamento anual de operação com guincho, além de treinamentos teóricos baseados em computador para os membros da tripulação aferir seus conhecimentos em normas, sistemas da aeronave, procedimentos de emergência e sistema de banco de dados do A021.

Os paramédicos, diz DeRuggiero, “vestem muitos chapéus” dentro da operação, tais como a ajuda com cheques de pré e pós-voo da aeronave, comunicações, navegação e rádio, além de ajudar o piloto em casos de emergência. Duas vezes por ano, os paramédicos deve rever procedimentos IFR e ter um curso sobre como pousar o helicóptero caso o piloto esteja incapacitado.

Quando os AW139s forem introduzidos, os pilotos passarão por duas semanas de treinamento em um simulador de voo completo na fábrica da AgustaWestland, na Filadélfia, para conseguirem a classificação de tipo necessário para a aeronave, que pesa mais de 5,670 kg (12.500 lb).

Além disso, o MSPAC planeja a instalação de um simulador de voo “nível 7”  em sua sede, no aeroporto de Martin State, para permitir que os pilotos executem treinamentos baseados em cenários bem como  simulações de operação com guincho. Um grupo de trabalho formado após o acidente de 2008 estimou que o simulador de voo poderia economizar cerca de 700.000 dólares por ano para a unidade.

ESFORÇOS EM CURSO

Assim como o pessoal MSPAC continua a assegurar às vítimas um melhor nível de segurança na prestação de seu serviço, avanços na segurança operacional em operações HEMS continua a ser o foco dos demais operadores. A FAA está avaliando as sugestões sobre sua comunicação relacionada a proposta de regulamentação de operações HEMS, e espera a emissão de uma nova norma em Abril de 2012.

Em sua carta de resposta ao NPRM de 10 de janeiro, o NTSB insta à FAA a considerar na regulamentação definitiva certas disposições críticas para a segurança operacional, que foram omitidas na proposta de regulamentação. Estas disposições incluem a exigência aos operadores para implementar sistemas de gestão da segurança e equipar as aeronaves com gravadores de voo e sistemas de imagens noturna (NT: night imaging systems) .

Robert Sumwalt, membro do NTSB,  acredita que “os problemas apresentados pelos operadores aeromédicos já tem dois anos desde a consulta ao conselho de segurança de operações HEMS. Nos 13 meses após a audiência, houve 22 mortes. Precisamos fazer mudanças para que as pessoas parem de morrer em helicópteros que estão em operações para salvar vidas.”

UM DIA NO MSPAC – Maryland State Police Aviation Command

A relação simbiótica entre o paramédico e piloto ficou evidente quando nos juntamos ao paramédico John Peach e ao piloto Dick Bruns para acompanhar um de seus turnos de serviço de 12h.

O relógio pode ir de “absolutamente entediante girando em círculos para completamente maluco em segundos”, afirma Bruns, que está no MSPAC desde 1986. Quando eles chegaram na base, eles realizam uma avaliação de risco para os voos do dia. Isso inclui fatores meterológicos, bem como a disponibilidade da aeronaves e da tripulação.

Por volta das 5h em seu relógio, Peach atende um telefonema do Syscom, centro de comando de despacho, localizado em Baltimore, para onde os pedidos das centrais policiais e de emergências 911 são encaminhados e é feita a triagem para atendimento.

Peach anota as informações e as transmite para Bruns. “Uma vítima [PI – personal injury]. Carro em chamas. As coordenadas são …”. Bruns gira abruptamente para a tela do computador mostrando o sistema de A020. No sistema, ele localiza o acidente e triangula as linhas a partir da base, local do acidente e até o centro de trauma. O sistema mostra imediatamente os obstáculos e as altitudes mínimas na rota. Bruns recheca a metereologia, a carga de combustível, peso e dados do balanceamento da aeronave, e imprime as informações.

Qualquer membro da tripulação pode decidir se a missão representa um risco demasiado elevado e se recusam a voar sem medo de sanções disciplinares.

No entanto, esta missão tem um “OK” (NT: “GO”). Peach, um ex-bombeiro / paramédico do Baltimore City Fire Department, foi para o MSPAC em 2002. Ele e Bruns se dirigem para o hangar ao lado da sala de prontidão. Peach sinaliza a partida, enquanto Bruns começa a sequência de partida dos motores. O paramédico verifica portas, travas e luzes, e procura por sinais de vazamento de combustível e fluidos. Tudo está ok. Peach reboca a aeronave para a pista e a torre autoriza a decolagem.

Chegando ao local, o piloto normalmente faz órbitas altas e baixas sobre a zona de pouso para avaliação – com a ajuda dos olhos do paramédico – de sua segurança. Se passar pela avaliação, o helicóptero pousa e o paramédico avalia e estabiliza o paciente. Pacientes categorias A e B, os feridos mais graves, são sérios candidatos para o transporte aéreomédico imediato para um centro de trauma. O pessoal médico avalia se pacientes categorias C e D – aqueles com lesões menores – também são casos para serem transportados por via aérea ou se irão por meios terrestres.

O MSPAC segue a regra da “hora de ouro” ou “golden hour”, diz Mike DeRuggiero, que lidera a seção do grupo de gerenciamento de segurança. As chances de sobrevivência de um paciente com trauma aumentam dramaticamente quanto mais cedo o tratamento estiver disponível, de modo que estar em um centro de trauma o mais rápido possível é fundamental.

Dentro da aeronave estão equipamentos e medicamentos que iriam ser encontrados em uma sala de emergência, apenas em tamanhos ou quantidades menores: oxigênio medicinal, cerca de 40 tipos de medicamentos, incluindo sedativos e paralíticos (NT: paralytics) , desfibriladores, equipamentos para entubação, material de IV, talas e ataduras.

O estresse vem no solo. A tripulação acaba acompanhando tudo o que acontece ou pode acontecer com um ser humano: esfaqueamentos, espancamentos, assassinatos, afogamentos, lesões cerebrais, membros decepados, queimaduras. Eles aliviam o estresse com humor negro e piadas bem-humoradas entre eles. “Os pilotos chamam os médicos de “macacos do Band-Aid ” e os médicos chamam os pilotos de “macacos do manche”, mas são termos de carinho”, disse Peach.

Como outros paramédicos, Peach acredita que os pilotos, que voam em espaços impossíveis e sob condições impossíveis, são “criminosamente modesto” sobre suas habilidades. Bruns, como os outros pilotos, orgulham-se das habilidades incríveis dos paramédicos em salvar vidas.Você conhece a reação do outro muito rapidamente. Eu estou na cadeira de médico e ele na cadeira de piloto. Nós não cruzamos a linha, mas estamos conscientes das dificuldades do outro serviço e ajudamos uns aos outros sempre que possível.”

As recompensas podem ser grandes. Uma vez, a tripulação conseguiu salvar um garoto preso em um carro e salvar sua perna de amputação. Outra vez uma equipe conseguiu, enquanto pairava, de noite, em meio a fumaça densa e preta, içar vários homens presos dentro de uma chaminé de uma fábrica em chamas.

“Este trabalho lhe dá um profundo apreço pela sua vida e para a vida de sua família e amigos”, disse Peach. Para Bruns, “o que talvez seja o mais gratificante é que você sabe que você é a melhor chance que as vítimas tinham para ser salvas e não teria como ser feito de outro modo”.

Confira o vídeo:


Fonte: Flight International.

Tradução e adaptação: Alex Mena Barreto.


Nota do site: A equivalência das RBAC (ANAC) com as FAR (FAA) não são mera coincidência. Algumas são idênticas, apenas traduzidas para o português e em alguns casos são publicadas no Brasil em inglês e por mais incrível que possa parecer ainda escrevem no regulamento, como na RBAC 29, Emenda no 51, o seguinte:

(b) Divergência editorial
Qualquer divergência editorial contida no Apêndice A-I decorrente da republicação ali contida e o texto oficial da FAA deverá prevalecer, mediante anuência da ANAC, o texto oficial da FAA.


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