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RAUL MARINHO
Consultor aeronáutico
Editor do BizAv.Biz

Publicado originalmente na Revista Aeromagazine – Edição 337 (julho/2022)

Como o nome sugere, o transporte aeromédico é uma operação realizada por aviões ou helicópteros, com o objetivo de deslocar por via aérea pessoas que necessitam de cuidados médicos.

Em princípio, isso pode ocorrer de diversas maneiras, seja como desdobramento de uma operação de busca e salvamento (ou SAR, do inglês Search And Rescue) realizada com um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) sobrevoando a selva amazônica, passando pelo resgate de um motociclista acidentado com um dos helicópteros Águia da Polícia Militar de São Paulo na Marginal Tietê, na capital paulista, até o transporte de um paciente em estado crítico de saúde em uma unidade de tratamento intensivo (UTI) aérea, como ocorreu com então candidato Jair Bolsonaro após o atentado a faca ocorrido na campanha de 2018, em Minas Gerais.

Ainda que sejam correspondentes, cada uma dessas missões possui uma regulamentação específica: no caso do SAR, por se tratar de uma operação da FAB, são as normas militares que regulamentam a operação, enquanto o atendimento de uma ocorrência pelo helicóptero da PM segue um regulamento específico da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para operações especiais de aviação pública.

Já no caso exemplificado pelo transporte do atual presidente, o transporte deve ser realizado por uma aeronave de táxi aéreo certificada para o transporte aeromédico. Essa última modalidade operacional será o foco deste artigo.

INTER X PRÉ-HOSPITALAR

Durante a pandemia de COVID-19, muitos brasileiros com sintomas graves da doença e residentes em localidades menos desenvolvidas tiveram de ser deslocados por extensas distâncias para cidades mais bem servidas por hospitais capacitados para realizar o atendimento.

Transladar estes pacientes pelos lentos meios de transporte terrestres ou por rios e mares significaria condená-los à morte, em muitos casos. Logo, a única alternativa que lhes restou foi o modal aéreo e, neste contexto, as empresas do segmento aeromédico se tornaram a opção pela vida para centenas de brasileiros.

O resultado foi o aumento gigantesco dos voos destinados ao transporte inter-hospitalar, e as empresas de táxi aéreo do Brasil em condições de operar no segmento trabalharam como nunca durante a pandemia. Neste período, o Brasil inteiro tomou conhecimento da importância dos táxis aéreos que realizam operações aeromédicas para o salvamento de vidas.

Em alguns casos, os helicópteros das entidades públicas também atuam no transporte inter-hospitalar, transladando pessoas entre instituições públicas de saúde, em especial quando o paciente apresenta risco iminente de morte (modalidade que até os aviões da FAB foram utilizados durante a pandemia, dada a gravidade da situação de algumas localidades, em determinados momentos).

Mas a principal função da operação aeromédica realizada pela Polícia Militar e pelos Bombeiros é o atendimento pré-hospitalar (APH), relacionado ao resgate de acidentados, baleados, infartados e assim por diante. Essa modalidade operacional, utilizada exclusivamente em situações de emergência médica, pode funcionar sob dois formatos distintos, dependendo de quem seja o operador.

Quando são entidades públicas que a executam, como as operações de resgate realizadas pelo Esquadrão Águia da PM paulista, não ocorre a remuneração direta por parte do usuário. Já no caso do APH realizado pelos táxis aéreos, como no atendimento a acidentados nas provas do Rally dos Sertões, o voo é pago pelo paciente ou pelo seu plano de saúde.

Há, ainda, uma terceira possibilidade, cada vez mais comum no Brasil (e muito usual em diversos países da Europa), que é o resgate de emergência realizado em parceria entre órgãos públicos e iniciativa privada, suportado financeiramente pelo Estado para o atendimento ao cidadão, em que o paciente também fica isento de pagamento.

Nesse último modelo, que é bem mais recente, as empresas de táxi aéreo ficam responsáveis por disponibilizar a aeronave (seja pela aquisição ou pelo arrendamento), bem como por sua operação e sua manutenção, além do treinamento dos pilotos; enquanto as ações de apoio operacional em solo (interrupção do tráfego para que o helicóptero possa pousar na via pública, remoção dos acidentados dos destroços etc.) e o ingresso da ocorrência no sistema utilizado pelos órgãos de segurança pública – o recebimento da ligação pelos números de emergência ou a comunicação da necessidade de transporte aéreo de emergência por uma unidade policial ou do corpo de bombeiros, operadas pelo Centro de Operações Policiais Militares (COPOM) dos estados – fica a cargo dos órgãos públicos.

Já a responsabilidade sobre a equipe de saúde a bordo pode variar de acordo com o modelo operacional adotado pelo estado, podendo médicos e enfermeiros serem servidores públicos (o mais usual) ou profissionais contratados pelas empresas. Em um contexto no qual o poder público tem cada vez menos recursos para investimentos diretos em formação e treinamento de pilotos e em aquisição e manutenção de aeronaves, essa modalidade híbrida é bastante vantajosa, uma vez que ocorre no modelo de pagamento sob demanda (pay-per-use), mais adequado à atual estrutura dos orçamentos públicos.

ASPECTOS REGULATÓRIOS

A regulamentação da operação aeromédica realizada por táxis aéreos é uma das mais complexas da aviação brasileira. Como em qualquer operação civil regulada pela ANAC, o transporte aeromédico tem de seguir os Regulamentos Brasileiros de Aviação Civil (RBAC) e cumprir diferentes diretrizes, a começar pelos requisitos gerais de operação para aeronaves civis (RBAC Nº 91).

Além disso, por ser uma empresa de táxi aéreo, esse tipo de operação também requer certificações de operador de transporte aéreo de interesse público (RBAC Nº 119) e para operações remuneradas com aeronaves de até 19 assentos (RBAC Nº 135), assim como de uma regulamentação específica aplicável somente para os táxis aéreos que realizam operações aeromédicas, que veremos com mais detalhes a seguir.

Percebam que, até agora, já mencionamos quatro regulamentos da ANAC e nesta conta nem contabilizamos o RBAC Nº 90, aplicável às operações aeromédicas realizadas pelos órgãos estaduais de segurança pública. Mas tem mais.

Além dos requisitos da ANAC, o transporte aeromédico também deve cumprir normas de outros órgãos públicos e autarquias. O principal órgão é o Ministério da Saúde (Portaria Nº 2.048, de 05 de novembro de 2002, mais conhecido como Regulamento Técnico dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência), que especifica as instalações de suporte avançado de vida das ambulâncias aéreas.

Assim como os tripulantes, que são regulamentados pela ANAC por meio do RBAC Nº 61, relativo à emissão de licenças e habilitações e aos demais requisitos de treinamento aplicáveis aos táxis aéreos, os profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) que atuam na operação aeromédica precisam seguir normas específicas de suas entidades de classe: o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen).

O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) também possui normas específicas para essa modalidade de operação e, finalmente (mas não menos complexa), há uma extensa regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aplicável a todos os equipamentos e insumos relacionados à operação. A boa notícia é que a ANAC revisou recentemente a principal norma aplicável à operação aeromédica, tornando-a mais simples e adequada às necessidades atuais das empresas que atuam no setor.

O regulamento específico da ANAC para a operação aeromédica foi publicado originalmente pelo Departamento de Aviação Civil (DAC), em 1999 (trata-se da IAC Nº 3134-0799, redigida no contexto regulatório, tecnológico e do mercado de mais de duas décadas atrás).

Por isso, em uma atitude inédita, a ANAC constituiu um grupo de trabalho, o Comitê Técnico de Serviço de Transporte Aeromédico (CT-STA), do qual fizeram parte diversas associações representativas da indústria e dos operadores (Associação Brasileira de Aviação Geral, Abag; Associação Brasileira das Empresas de Taxi Aéreo e Manutenção de Produtos Aeronáuticos, Abtaer; e Associação Brasileira de Operadores Aeromédicos, Aboa), sindicatos (Sindicato Nacional das Empresas de Táxi Aéreo, Sneta; e Sindicato Nacional dos Aeronautas, SNA) e órgãos de classe dos profissionais de saúde que também atuam na operação (Conselho Federal de Medicina, CFM; e Conselho Federal de Enfermagem, Cofen).

Eles trabalharam juntos para construir normas consensuais para regular a operação aeromédica. A ANAC secretariou o grupo e fui nomeado o coordenador do comitê, representando a Abag. Foram 27 reuniões em sete meses de trabalho, encerrado em outubro de 2021, cujo resultado foi um extenso relatório de texto base para que a ANAC produzisse a nova regulamentação da operação aeromédica em substituição à antiga IAC (a IS Nº 135-005 – “Operação aeromédica realizada por operadores aéreos regidos pelo RBAC Nº 135”, publicada em 25 de março de 2022).

Dentre as principais novidades desta nova regulamentação para o segmento estão:

  • A possibilidade de que as empresas de táxi aéreo autorizadas para a operação aeromédica realizem pousos e decolagens em áreas não cadastradas:
    • Atendimentos pré-hospitalares com helicópteros, inclusive em estradas e rodovias; e
    • Em qualquer modalidade de atendimento com aviões, quando a operação for realizada na Amazônia Legal.
  • Alterações operacionais em documentos e requisitos:
    • Eliminação do Manual Aeromédico (MaMed), que não é mais requisito obrigatório para a certificação e operação; e
    • Dispensa de nomeação de um “chefe médico”, que não precisa mais estar nas Especificações Operativas (EO) da empresa.

O processo de autorização para que a empresa possa operar no transporte aeromédico passa a seguir o padrão das demais normas de certificação da ANAC. O operador que já possui autorização para realização de operação aeromédica (emitida conforme a IAC nº 3134-0799) poderá manter as suas operações inalteradas por mais 12 meses.

Para a manutenção da autorização após esse prazo, deve ser realizada adequação de acordo com as novas regras. Já as empresas interessadas em obter a primeira autorização para realizar operações aeromédicas precisam seguir a nova IS desde 1º de abril último.

O Comitê Técnico de Serviço de Transporte Aeromédico está confeccionando um Manual de Boas Práticas para as operações das empresas do setor e, em um futuro próximo, pretende atuar na modernização das normas do Ministério da Saúde, que também têm mais de 20 anos.

Com tudo isso, espera-se que o segmento tenha, em breve, uma regulação simplificada, moderna e adequada às necessidades das empresas, dos órgãos públicos, dos profissionais de saúde e dos pilotos, de modo a aumentar os índices de atendimento aeromédico para níveis mais próximos aos do primeiro mundo.

Para se ter uma ideia, Alemanha, França, Itália e Espanha têm hoje mais de 1,5 helicóptero dedicado ao atendimento aeromédico de emergência (APH) por milhão de habitantes, índice que chega a 5,6 na Noruega e a 5,8 na Áustria.

No Brasil, essa taxa é de 0,2 helicóptero por milhão de habitantes, ou seja, precisamos quintuplicar a nossa frota para chegar a uma aeronave por milhão de habitantes, que é o mínimo que nosso país precisa para prestar serviços de qualidade para os brasileiros.

Isso somente será possível se houver uma regulamentação que traga plena segurança jurídica para que empresas privadas (os operadores de táxi aéreo) possam realizar operações em parceria com os órgãos públicos (Polícias Militares, incluindo bombeiros), que foi o objetivo da IS nº 135-005. Dentro de alguns anos, espero ser convidado novamente por AERO Magazine para escrever sobre um cenário muito mais positivo da operação aeromédica do Brasil após esta reforma regulatória!

FROTA BRASILEIRA

Há hoje no Brasil 48 empresas com pelo menos uma aeronave autorizada a realizar operações aeromédicas, totalizando uma “frota ativa” (em condições regulamentares de aeronavegabilidade, ou seja, com Certificado de Matrícula e Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade válidos) de 259 aeronaves, sendo 146 aviões e 113 helicópteros – lembrando que uma aeronave autorizada a realizar transporte aeromédico também pode operar com o transporte “normal” de passageiros e cargas.

Na verdade, a maior parte da frota brasileira possui esta característica multiuso e poucas são dedicadas exclusivamente ao transporte de pacientes, uma vez que os “kits aeromédicos” podem ser instalados e retirados de acordo com as necessidades em grande parte dos casos.

Outras informações relevantes:

  • O estado com a maior frota de aeronaves aeromédicas é o Rio de Janeiro, com 84 unidades – porém, a maioria destas (74 helicópteros) está alocada à operação offshore;
  • A “pátria do transporte aeromédico” é Goiás, o estado com a maior frota da operação aeromédica “normal” (não offshore), com 25 aeronaves que atendem não só à demanda do Centro-Oeste, mas também de diversas outras regiões do país;
  • Também considerando somente a frota da operação “normal”, a região Norte é a mais numerosa, com 56 aeronaves, a maioria atuando no atendimento de comunidades indígenas e na remoção de pacientes de localidades isoladas da Amazônia;
  • O operador brasileiro com mais aeronaves autorizadas a realizar operações aeromédicas é a Omni Táxi Aéreo, com 51 helicópteros biturbina de grande porte, todos utilizados na operação offshore (somente três helicópteros da empresa são certificados para o transporte “normal” de passageiros e de cargas);
  • Das que não atuam na operação offshore, a maior empresa do setor é a goiana Brasil Vida Táxi Aéreo, com 13 aeronaves, todos aviões bimotores – seis jatos e sete turbo-hélices;
  • Somente duas aeronaves do segmento aeromédico são aviões anfíbios (Cessna Grand Caravan em ambos os casos), sendo que os dois são de empresas sediadas em Manaus, a CTA – Cleiton Táxi Aéreo e a Manaus Aerotáxi;
  • Dentre os aviões, temos:
    • 32 a pistão, dos quais:
      • 18 são monomotores – modelo mais popular: Cessna 206 Station Air (oito aeronaves); e
      • 14 são bimotores, todos Piper/Neiva Seneca;
    • 89 turbo-hélices, sendo:
      • 29 monomotores (27 Cessna Caravan & Grand Caravan); e
      • 60 bimotores (24 da linha Beech King Air Série 90);
    • 25 jatos, todos bimotores, sendo que:
      • A marca líder é a Learjet, com 11 aeronaves;
      • O modelo mais popular é o Learjet 45 (seis unidades); e
      • O maior deles é o G100, fabricado pela Israel Aircraft (da mesma família do atual G150 produzido pela Gulfstream), com 11.181 quilos de peso máximo de decolagem e operado pela Abelha Táxi Aéreo;
  • Já entre os helicópteros autorizados para o aeromédico, há:
    • 99 unidades bimotoras, todas na operação offshore; e
    • 14 modelos monomotores, sendo que onze destes são da família Helibras/Eurocopter Esquilo.

Acesse também: Consultoria em certificação e adequação de táxi aéreo para operação aeromédica de acordo com a IS nº 135-005

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