Estol de Vórtice – Estudo de Caso

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Cap. Av. Fernando de Almeida Silva
Chefe da SIPAA 5°/8°GAV
[email protected]

ACCIDENT REPORT B/921/1036

Data: May 8, 1992
Local: Kelmscott, Western Australia, Australia
Aeronave: Aerospatiale AS 355F1
Vítimas: 2 leves e 2 graves

O helicóptero era de propriedade do Departamento de Polícia de Western Australia. Entretanto, como ninguém no departamento tinha experiência para conduzir as operações de uma aeronave de asas rotativas, foi contratado um operador local de helicópteros para prover pilotos e ficar responsável pela manutenção da aeronave.

Estol de Vótice - Estudo de Caso

No dia do acidente, depois de uma partida normal, o piloto puxou o coletivo para checar a resposta do motor. Entretanto, ele observou que a indicação de torque do motor 1 não aumentava como a do motor 2. O piloto “bipou” (fez a utilização do Beep Trim – dispositivo que provê aumento de RPM dos motores e Rotor principal) o motor 1, mas, mesmo assim, a diferença de indicação de torque em relação ao motor 2 persistia quando o coletivo era puxado. O piloto “bipou” novamente e dessa vez a resposta do motor 1 foi positiva, permitindo a leitura normal dos dois motores. Resolvido o problema, o piloto decolou normalmente e seguiu em direção a uma escola onde seria realizada uma ação de relações públicas para crianças. A área de pouso era um campo aberto, parcialmente cercado por árvores.

Durante a aproximação para pouso, a aeronave tocou bruscamente o solo, vindo a despedaçar-se e incendiar-se. No acidente, o rotor de cauda foi separado do helicóptero e a fuselagem rolou para frente antes de completar dois giros descontrolados no sentido anti-horário. Houve também o impacto do rotor com o solo antes do helicóptero parar na posição que seria da aproximação original.

O piloto e o tripulante sofreram ferimentos leves, entretanto, dois passageiros sofreram ferimentos mais graves em conseqüência do acidente.

O piloto em comando possuía a habilitação de piloto comercial de helicóptero e era homologado como piloto de AS355F1. Sua experiência de voo total no momento do acidente era de 5.264 horas, das quais 3.463 horas eram em helicóptero. Sua experiência em aeronaves do tipo AS355F1 era de 315 horas.

O peso estimado do helicóptero no momento do acidente era de 4.784 lbs e o centro de gravidade estava dentro dos limites. O peso máximo de decolagem daquele helicóptero para aquelas condições era de 5.291 lbs.

As condições meteorologias no momento do acidente eram de céu limpo, com leve brisa de sudeste, e a temperatura era de 20ºC.

O piloto relatou que, baseado em uma fumaça observada a distância, ele avaliou que não haveria vento significativo no local de pouso. Ainda segundo ele, a aproximação foi normal em ângulo e velocidade, vindo o helicóptero no sentido oeste, terminando num pairado a 20ft de altura. O piloto pensou que o helicóptero tinha experimentado uma perda de potência em um dos motores e por isso tivesse feito um pouso brusco. Ele disse que, além da aplicação de coletivo na tentativa de controlar a razão de descida, não efetuou nenhum outro “input” de comando.

As testemunhas deram uma versão ligeiramente diferente sobre a aproximação. Elas reportaram que o helicóptero veio em uma aproximação rápida de leste para oeste e reduziu quase completamente a velocidade (flare) antes de descer com razão elevada cerca de 70 ft na vertical (não houve pausa entre o flare e o início da descida), ocorrendo o acidente. Foi observado ainda que, enquanto descia, a aeronave chacoalhava de um lado para o outro.

Nem o piloto, nem os demais ocupantes lembraram de ter ouvido o alarme de baixa rotação (“low-rpm”) durante a descida, esse fato confirmaria a hipótese apresentada de perda de potência em um dos motores. Nos testes após o acidente, verificou se que a referida buzina estava em perfeitas condições.

Essas informações foram reforçadas por uma sequência de fotografias tiradas por um fotógrafo profissional que registrou toda a aproximação. As testemunhas afirmaram que a razão de descida do helicóptero era bem maior que a de outros helicópteros já observados e procedimento de pouso. Outros fotógrafos que fizeram parte da ação inicial reportaram que, durante as fotografias, observaram que o vento, embora leve, era predominantemente de cauda em relação a aeronave acidentada, que terminou parada praticamente no mesmo sentido da aproximação original. Com base nas últimas declarações, conclui-se que efeito do vento de cauda teria ter “agravado” o ângulo de descida e reduzido a velocidade à frente no momento da descida.

As evidências mostraram que o helicóptero fez uma aproximação de grande ângulo com peso elevado, pouca velocidade à frente e sob influência de vento de cauda. Adicionalmente a isso, as testemunhas observaram que a razão de descida da aeronave era superior a de outros helicópteros já observados em procedimento de pouso. Analisando tudo isso, conclui-se que o helicóptero tenha entrado em estol de vórtice, tendo a situação agravada pela aplicação de coletivo por parte do piloto.

Outra possibilidade analisada seria a de potência disponível insuficiente, lembrando que o piloto observou uma diferença de torque entre os dois motores. Entretanto, se isso tivesse ocorrido, o alarme de baixa rotação do rotor principal teria tocado, o que não foi observado por nenhum dos ocupantes. Essa falta do alarme sonoro de baixa rotação reforça que os motores operavam normalmente e que nenhum deles apresentou perda de potência durante toda a aproximação.

A geografia do local indica que existiam alternativas melhores de aproximação, além da escolhida pelo piloto. Essas outras alternativas teriam permitido uma aproximação mais convencional e segura em relação ao ângulo de aproximação e direção do vento.

PRINCÍPIOS DO ESTOL DE VOTEX DO ROTOR PRINCIPAL

Um helicóptero em voo pairado fora do efeito solo produz sustentação igual ao seu peso. Para tanto, nas pontas das pás são formados anéis de vórtice descendentes em forma espiral. Além disso, em descidas rápidas na vertical ou com pouca velocidade à frente, surge uma pequena região em que o fluxo de ar é ascendente, próximo da raiz das pás. Se o comando coletivo for comandado para baixo, a sustentação diminui e atinge um valor inferior ao peso da aeronave. O helicóptero inicia uma descida buscando equilíbrio entre peso e sustentação. Com razões de descida baixas ou moderadas, o fluxo de ar ascendente diminui o ângulo de ataque e aumenta os valores de sustentação nas seções intermediárias e externas das pás, mantendo o helicóptero em uma razão de descida constante. Os vórtices de ponta de pá consomem potência do motor, mas não geram sustentação.

Se a razão de descida aumentar, os anéis de vórtice secundários formados serão cada vez maiores e as pás do rotor ficariam cada vez ais perto desses anéis de vórtice descendentes (ar turbilhonado abaixo do helicóptero), até que o helicóptero atinge um ponto em que a maior parte da potência gerada pelo motor estará sendo desperdiçada para acelerar esses mesmos anéis de vórtice. Na prática, o helicóptero estaria voando dentro de seu próprio downwash, ou seja, em ar turbilhonado.

Resumindo, uma razão de descida elevada supera o fluxo de ar induzido para baixo sobre as seções internas da pá (próximas à raiz). O fluxo é, portanto, ascendente em relação ao disco rotor nestas áreas e descendentes nas áreas restantes. O resultado deste conjunto de vórtice é a instabilidade do fluxo de ar sobre grande área do disco rotor.

Os pilotos têm que ficar atentos quanto ao fenômeno do vórtice, ou vortex. Descer na vertical, ou com ângulos acentuados de rampa, exige velocidade de descida lenta.

Os valores de rampa de aproximação e razão de descida limites para evitar a região de vórtice são diferentes para cada tipo de helicóptero. Dado um helicóptero, esses valores variam com o peso e a altitude. Quanto menor o peso e a altitude-densidade, maior eve ser o cuidado por parte do piloto, pois os fenômenos do vórtice acontecerão com razão de descida menor.

Cabe ainda ressaltar que a maioria dos manuais de voo não traz qualquer tipo de informação sobre o assunto.

CONDIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DO ESTADO DE VÓRTICE

1. Velocidade indicada mínima – Na prática, os anéis de vórtice se formam com velocidades até 12-15 kt, inferior a de sustentação translacional.

2. Razão de descida – O estado de vórtice requer um fluxo de ar oposto ao ar induzido pelo disco rotor. Nesse caso, a razão de descida do helicóptero acaba sendo aproximadamente igual a do fluxo de ar do downwash com o comando coletivo aplicado. O fluxo de ar para baixo é o que alimenta o vórtice. Para a ocorrência do estado de vórtice, o helicóptero não necessita descer exatamente na vertical, qualquer angulação superior a 70° de rampa já satisfaz a condição de baixa velocidade horizontal.

3. Voo com potência – É necessário que a aeronave esteja utilizando a potência disponível (de 20% a 100% do total) para que ocorra a indução necessária do fluxo de ar e a formação do estado de vórtice. Se não houver um fluxo de ar induzido para baixo (com motor), a razão de descida do fluxo não passa inteiramente através do disco rotor e o vótice não se formaria. O estol de vórtice não ocorre em uma autorrotação real, sem motor.

RECUPERAÇÃO DE UM ESTOL DE VÓRTICE OU ESTADO DE VÓRTICE

Para se recuperar de um estado de vórtice, uma ou todas as condições de formação do mesmo devem ser removidas. Isto envolve:

– O aumento de velocidade à frente usando o comando cíclico

–  A entrada em autorotação para a eliminação do fluxo de ar induzido.

É importante observar que escolhendo uma ou ambas as técnicas relacionadas acima, uma grande perda de altura será necessária. Entretanto, o ganho de velocidade à frente geralmente ocasiona uma menor perda de altura que a entrada em autorrotação, sendo essa sempre a opção mais indicada para a recuperação desta condição.

Como a razão de descida em um estol de vórtice pode ser muito alta (6000 ft/min em alguns casos), a autorotação pode gerar um disparo de rotação incontrolável devido a fatores aerodinâmicos diversos.

Enquanto a condição de estol de vórtice existir, qualquer aplicação de potência agravará a situação, estolando ainda mais as pás e aumentando ainda mais a razão de afundamento.

O QUE EVITAR PARA NÃO ENTRAR NESSA CONDIÇÃO

As seguintes situações podem levar ao desenvolvimento do estol de vórtice e por isso devem ser evitadas.

1. DESCIDAS COM POTÊNCIA APLICADA, BAIXA VELOCIDADE E ALTA RAZÃO – A razão de descida necessária para o advento desta condição difere entre os diversos tipos de helicóptero, entretanto ela é geralmente superior a 500 ft/min com pouca ou nenhuma velocidade à frente. Essa situação é agravada e fica mais perigosa com o helicóptero pesado, em um dia quente devido a maior necessidade de potência para manter o pairado.

2. MANOBRAS E APROXIMAÇÕES COM VENTO DE CAUDA – De maneira geral, manobras com vento de cauda sempre serão críticas, ainda mais as aproximações. Em aproximações desse tipo, o fluxo de ar turbilhonado, que ficaria para trás numa aproximação normal, seria jogado novamente em direção ao helicóptero, o faria que a aeronave ingressar no próprio downwash e provocando o estol de vórtice.

3. PARADAS RÁPIDAS – Quando um helicóptero faz um flare agressivo em uma parada brusca, com o disco rotor bem inclinado para trás, o fluxo de ar horizontal passa a vir da parte de baixo do disco rotor devido à direção do deslocamento e à própria atitude da aeronave. Se uma razão de descida for iniciada nessa situação, o deslocamento do fluxo de ar verticaliza ainda mais e a aeronave acaba adentrando mais uma vez na zona do próprio downwash.

4. RECUPERAÇÃO DE AUTOROTAÇÃO EM TREINAMENTO – A recuperação de uma autorrotação em que há a aplicação de potência antes do nivelamento da aeronave, no flare ainda, é similar à situação da parada rápida na reta, citada anteriormente. É importante considerar que isto não aconteceria em uma situação real de autorrotação (com os motores cortados), pois, devido à falta de potência, com a aplicação de coletivo não haveria a indução do fluxo de ar no sentido de deslocamento da aeronave.

Ainda em relação ao treinamento de autorrotação, outro ponto crítico é a descida após o flare sem nenhum deslocamento à frente (flare até zerar completamente a velocidade) e a aplicação instantânea do coletivo para o amortecimento do pouso. Mais uma vez, essa situação de afundamento na vertical e aplicação repentina de coletivo, acaba sendo crítica devido ao fato de possibilitar a entrada da aeronave no próprio fluxo de ar induzido para baixo, o downwash.

BIBLIOGRAFIA

Whyte, Greg. Fatal Traps for Helicopter Pilots. New Zealand: Reed Publishing, 2003.

Vieira, Boanerges; Serapião, A. C. Aerodinâmica de Helicópteros. Rio de Janeiro: Editora Rio,

Lírio, T. A. Guia Técnico de Investigação de Acidentes Aeronáuticos com Helicópteros para Investigadores do SIPAER. 2012. 118f. Dissertação (Mestrado Profissional em Segurança de Aviação e Aeronavegabilidade Continuada) – Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos, São Paulo. 2012

Fonte: SIPAA 5°/8°GAV – Chefe: Cap. Av. Fernando de Almeida Silva – Crítica e Sugestões: [email protected] ou (55) 3220-3563

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