Fundamentos de um sistema de resgate aeromédico para policiais e profissionais de segurança pública

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DR. ABOUCH VALENTY KRYMCHANTOWSKI
Mestre e Doutor em Neurologia

O serviço tático emergencial de resgate e primeiro atendimento ao combatente ferido em serviço não é uma entidade única, mas uma cadeia de serviços envolvendo pessoal, equipamentos e protocolos rígidos de aplicação e acionamento. Sua existência data da década de 60, quando os americanos observaram, durante a guerra do Vietnã, que o resgate do ferido, com a realização do atendimento emergencial inicial no próprio local do incidente, reduzia a mortalidade e a morbidade dos ferimentos [1],[2]. Ao mesmo tempo, nas estradas americanas, percebeu-se também que iniciar o atendimento médico, no próprio local do incidente, melhorava em muito as chances de sobrevida das vítimas.

Com o advento da subespecialidade Medicina de Desastres e Catástrofes na década de setenta, um ramo da medicina de emergência, passou-se a priorizar o início do suporte básico e/ou avançado de vida, praticado pelo próprio pessoal de combate, para se alcançar a redução da mortalidade e da morbidade das lesões. Resultados positivos foram obtidos, fato este corroborado pelas taxas progressivamente menores observadas ao longo das quatro últimas décadas, sobretudo em vítimas de lesões por projéteis de armas de fogo [3],[4],[5].

No entanto, o uso cada vez mais freqüente e inadequado de armas e munições com maior poder de destruição, como as que utilizam projéteis de alta velocidade (acima de 2000 pés/segundo) nas áreas de conflitos, inclusive civis, provocou crescimento da mortalidade das lesões a despeito dos esforços e do avanço da oferta de sistemas de resgate rápido e de abordagem, com suporte avançado de vida, a partir do momento em que ocorre o ferimento [6].

Mais recentemente, durante as guerras do Afeganistão e do Iraque, o corpo de saúde das forças armadas dos Estados Unidos em conjunto com autoridades militares desenvolveu artefatos mais eficientes de proteção balística sobre a cabeça, tronco, abdome e pélvis dos soldados, o que resultou em lesões de menor gravidade, e que atingem mais os membros superiores e inferiores, ao invés de estruturas anatômicas mais nobres localizadas no tronco, cabeça e pescoço. Isto, em conjunto com um sistema eficaz de atendimento pré-hospitalar, de remoção aeromédica rápida e objetiva (empregando unidades voadoras de tratamento intensivo) e da sistematização dos destinos de evacuação médica para centros dotados de melhor tecnologia, promoveu reversão das taxas de mortalidade de 33% na segunda guerra para 2% nos dias atuais [7].

O lastro que embasa a adoção dessas estratégias é o fato de que os pacientes criticamente feridos atendidos em um centro cirúrgico com condições mínimas de abordagem, em até uma hora após o incidente traumático, têm taxas de sobrevida significativamente maiores do que aqueles que não receberam tal presteza no atendimento, configurando o atendimento no chamado “golden time” de 60 minutos ou “golden hour” [8],[9]. Mais ainda, se o tempo de resgate em cena não ultrapassa os 10 minutos, aproveita-se também o que se denomina de “platinum time” reduzindo ainda mais a mortalidade e morbidade das lesões [8],[9],[10],[11].

No Brasil, o final da década de 80 e início da de 90 foram os marcadores cronológicos desta mudança de mentalidade. Visionários pioneiros, como o médico Cezar Galletti Jr. da Polícia Militar do Estado de SP, coordenador do Projeto Resgate, semeou a doutrina para que se passasse a atender vítimas de trauma nos grandes centros brasileiros já a partir do próprio local do evento traumático e se pudesse removê-la o mais rápido possível, estabilizada, para um centro capaz de realizar o atendimento cirúrgico. É exatamente esse fato que faz do GRPAe da PM de SP uma referência em atendimento pré-hospitalar e evacuação aeromédica.

De fato, em situações críticas como nos casos de baleados de crânio, a rápida abordagem da hipoxemia, da hemorragia cerebral, da hipertensão intracraniana e do desvio da linha média do cérebro com subseqüente compressão de áreas cerebrais pode significar, pelo menos em lesões por projéteis de baixa velocidade, como os de revólveres, pistolas, espingardas e carabinas, a diferença entre a vida e a morte do baleado.

Abordagens simples e pragmáticas, como a elevação da cabeça do paciente em 30 graus, hiperventilação com oxigênio a 100% através de tubo traqueal, oferta de fluidos e aquecimento da vítima além dos raros casos em que se administram diuréticos osmóticos para redução rápida da pressão intracraniana (seguido por monitorização hospitalar para se evitar rebote) são capazes, efetivamente, de salvar a vida dos baleados de crânio que terão suas lesões manipuladas cirurgicamente após o acesso ao hospital e podem tornar-se protocolares em serviços dedicados aos profissionais de segurança.

Infelizmente, no entanto, em lesões por projéteis que ultrapassam a velocidade de 2000 pés por segundo, como os de fuzis, a transmissão da energia cinética do projétil, levando a danos enormes nas áreas atingidas, não deixa muitas chances de atendimento, mesmo que este seja rapidamente iniciado e o paciente seja transportado a um centro terciário com todos os recursos.

Levando-se em conta que no Rio de Janeiro as armas que empregam PAFs de alta velocidade são usadas pela PMERJ e outras organizações de segurança bem como por meliantes, que o trânsito é progressivamente mais moroso e caótico, em muito, devido ao egoísmo dos motoristas de um passageiro só, e que o emprego de aeronaves permite o atendimento em 10-17 minutos na maior parte dos casos [10], torna-se justificada e necessária a existência de um sistema de resgate e evacuação aeromédico para policiais e profissionais de segurança feridos em serviço, sobretudo vítimas de tiros, na região do Rio de Janeiro.

A conscientização de todos os envolvidos, principalmente dos que atuam em vias públicas bem como de seus superiores, a reestruturação do sistema de rádios que permita verdadeira comunicação imediata entre todos e a possibilidade do emprego de aeronaves para levar socorro às vítimas bem como para transportá-las a centros terciários, tornam-se imperativas até mesmo para se obter mais empenho e tranqüilidade do policial no cumprimento de suas árduas funções. Hospitais mais bem estruturados, dotados de helipontos homologados, inclusive para pouso noturno e uma classe médica mais comprometida com o atendimento pré-hospitalar de qualidade será, certamente, um caminho melhor para atingirmos nossos objetivos.


REFERÊNCIAS BICLIOGRÁFICAS

1. Committee of Emergency Medical Services, National Academy of Sciences. Emergency medical services at midpassage. Washington, DC:National Academy of Sciences, 1978.
2. Allen R, McAfee J. Tactical Combat Casualty Care in Special Operations. In: Pararescue Medication and Procedure Handbook. USAF; 2003:1-48.).
3. Baxt WG ET AL. The impact of advanced prehospital emergency care on the mortality of severely brain-injured patients. J Trauma 1987;27:365-342.
4. Krymchantowski AV. Atendimento emergencial pré-hospitalar ao baleado de crânio. Jornal Brasileiro de Emergência. 1994;2:6-8.
5. Krymchantowski AV. Lesões por projéteis de armas de fogo. Revista Brasileira de Emergência Pré-Hospitalar e Medicina de Desastres. 1995;2:23-25.
6. Krymchantowski AV. Lesões por projéteis de alta velocidade. In: Evandro Freire. (Org.). Trauma. A Doença dos Séculos. 1 ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2001, v. 1, p. 389-402.
7. Landstuhl, uma escala entre o Iraque e a vida. O Globo, 2º edição, 19/dezembro/2004, caderno O Mundo.
8. Caroline NL. Multiple Injuries: Summary of Advanced Trauma Life Support. In: Emergency Care in The Streets. Fourth Edition. Boston:Little, Brown and Company Inc. 1991:389-400.
9. Bledsoe et al., Paramedic Care: Principles & Practice, Volume 4: Trauma Emergencies, 3rd. Ed. New Jersey:Pearson Education, Inc. 2009:322-368.
10. Ribeiro Jr C. Operações Aeromédicas no Estado do Rio de Janeiro. Relato Preliminar. Revista Brasileira de Emergência Pré-Hospitalar e Medicina de Desastres. 1994;1:8-13.
11. Campbell AE, Stevens JT, Charpentier L. Assessment and initial management of the trauma patient. In: Campbell JE (Ed). International Trauma Life Support for Pre Hospital Care Providers. New Jersey:Pearson Education Inc. 2008:27-44.

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