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EDUARDO ALEXANDRE BENI
Coronel da Polícia Militar de São Paulo – Águia 31
Editor do Resgate Aeromédico

O dia 24 de fevereiro foi escolhido como o “Dia do Piloto de Helicóptero“. A razão dessa escolha foi para reverenciar o heroísmo dos pilotos de helicóptero no fatídico incêndio do edifício Andraus ocorrido no dia 24 de fevereiro de 1972, na cidade de São Paulo.

Nesse artigo vou contar um pouco da história do Comandante Olendino Francisco de Souza (in memoriam), que pousou o helicóptero Bell 204B, 32 vezes no Edifício Andraus, resgatando 307 pessoas. O comandante concedeu muitas entrevistas ao longo de sua vida relembrando os fatos que vivenciou.

Comandante Olendino Francisco de Souza ao lado do Hiller FH-1100. Foto: Acervo pessoal.

Não tive o privilégio de conversar com o Comandante Souza. Ele nos deixou em janeiro de 2008, na cidade de Bauru aos 79 anos, decorrente de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Conheci o Comandante Souza através das histórias do Comandante Claudio Finatti, que também tinha vasto material guardado e que me permitiu escrever o artigo “Os heróis existem – O incêndio do Edifício Andraus“.

Segundo o próprio Comandante Souza em entrevistas, ele não gostava de ficar lembrando das cenas que presenciou. Da mesma forma aconteceu com o Comandante Finatti, que em todas as nossas conversas sobre o assunto falava com muita tristeza, respeito e gentileza nas palavras.

Antes de começar a história, sabemos que muitas pessoas participaram do salvamento, mas falaremos com mais atenção dos aviadores. Faço uma ressalva quanto aos números e sequências dos fatos, pois, apesar de ler muito sobre o assunto, muitos anos se passaram e existem muitas versões.

Tentei reproduzir as longas conversas que tive com muitos protagonistas e seguir aquilo que foi publicado na mídia à época dos fatos. Faço aqui um breve relato.

Mas afinal, quem era o Comandante Souza? 

Através de matérias publicadas em A Gazeta, Jornal da Cidade, O Estado de São Paulo, Diário de Bauru, Diário Popular, Diário de São Paulo, Diário Oficial de São Paulo, e por outras diversas publicações e fotos do acervo pessoal de Souza, guardado carinhosamente pelo Comandante e por sua família, foi possível resgatar essa história.

O Comandante Souza nasceu em Patrocínio (MG) e aos 15 anos saiu de casa. Passou por dificuldades em sua infância mas o trabalho em uma oficina mecânica em Ribeirão Preto mudaria sua trajetória. A habilidade manual era tanta que logo começou a consertar carros. Por isso, foi convidado para trabalhar com aviões, pois eram poucos os profissionais especializados na área.

Licença de piloto do Comandante Olendino Francisco de Souza. Foto: Acervo pessoal.

No começo de sua carreira trabalhou em Bauru (SP), onde começou a aprender o ofício de mecânico de aviões. Não demorou muito e já estava voando planadores. Trabalhou como mecânico em Jacarezinho (PR). Em 1958 iniciou seu curso de piloto de helicóptero, mas sua licença de piloto de Nº 9 viria somente em 1960, autorizando para voar o Bell 47-D e o Hiller.

Em 1963 mudou-se para o Rio de Janeiro onde voou em um Táxi Aéreo. Em 1964 foi para São Paulo, a convite do Governador Adhemar de Barros, voar para o Governo do Estado, onde trabalhou por décadas.

Nesse período transportou alguns governadores de São Paulo, entre eles Adhemar de Barros, Laudo Natel, Abreu Sodré, Paulo Egídio, Paulo Maluf e Franco Montoro. Ele voava o helicóptero Bell 204B, apelidado de “Gafanhoto“. Além dele, havia o Comandante Geraldo Magela Wermelinger e o mecânico Antônio Simão Elias.

Souza aposentou-se em meados da década de 90 e passou todo esse tempo com sua família em Bauru, interior de São Paulo.

O dia do resgate

No dia do incêndio, Souza estava no hangar da VASP, em Congonhas. O fogo começou por volta das 16h15 e o helicóptero Bell 204B, matrícula PP-ENC, foi o primeiro a chegar no local. Como a aeronave possuía espaço interno raro para a época ela foi capaz de resgatar um número maior de vítimas no dia 24 de fevereiro de 1972. Pousou 32 vezes no Edifício Andraus, resgatando 307 pessoas.

Segundo relatos do próprio Comandante Souza, nas seis primeiras viagens transportou as vítimas para o Aeroporto Campo de Marte, mas para ganhar tempo decidiu pousar na praça Princesa Isabel, no que também foi acompanhado por outros pilotos. O mecânico de helicóptero Domingos Alzino, que era funcionário da VASP, foi seu copiloto durante os resgates.

Depois que os helicópteros deixavam as vítimas no Aeroporto Campo de Marte e na Praça Princesa Isabel, policiais militares organizavam o desembarque e ambulâncias levavam os feridos para diversos hospitais, entre eles o Pronto Socorro da Barra Funda, Hospital Geral do Exército no Cambuci, Santa Casa de Misericórdia, Hospital das Clínicas, Hospital Emilio Ribas e Hospital da Aeronáutica no Campo de Marte.

A Santa Casa estava preparada para receber até 350 feridos, atendeu cerca de 200 pessoas, a maioria com ferimentos leves e principio de intoxicação. Apenas em seis casos houve a internação. No Hospital das Clínicas, 95 pessoas foram atendidas, a maioria com queimaduras leves e principio de intoxicação, permanecendo em tratamento 12 pacientes. No Hospital da Aeronáutica no Campo de Marte, aproximadamente 200 pessoas foram atendidas.

Olendino Francisco de Souza, piloto do Governo do Estado de São Paulo no helicóptero PP-ENC, um Bel 204B. Foto: Agência Estado.

Durante quase seis horas os helicópteros permaneceram no local resgatando vítimas. A Praça Princesa Isabel foi convertida pela Polícia Militar em uma área de pouso e posto de atendimento. Por volta das 22h30 quando não havia mais pessoas no heliponto do Andraus, o Comandante Souza retornou para o Aeroporto de Congonhas.

Depois de um curto período de descanso, no dia seguinte ao incêndio (25/02), o Comandante Souza, acompanhado de Alzino e do mecânico Antônio Simão Elias, também funcionário da VASP e que voou em um dos helicópteros no dia do incêndio, foram chamados pelo então Governador de São Paulo, Laudo Natel, para receber os cumprimentos pelo serviço realizado.

No Palácio dos Bandeirantes também estavam presentes o Chefe da Casa Militar, Coronel Raul Humaitá e o piloto Alberto Fernandes Delfim, Chefe da Seção de Aeronaves Executivas do Estado. Durante a conversa, o comandante relatou ao governador como as coisas aconteceram. “Alguém teria de pousar em primeiro lugar, e achei que isso competia a mim, que estava com o maior aparelho. Se eu conseguisse, estaria aberto o sinal para os outros”, relatou Souza.

Para ele havia três riscos: a falta de visibilidade, a possibilidade da laje ceder, e uma eventual invasão do helicóptero pelas vítimas em pânico. “A certa altura achei que não deveria esperar mais e decidi pousar, mas antes de tocar o piso tive que arremeter, porque todos queriam entrar no helicóptero ao mesmo tempo. Mesmo assim trouxemos 5 pessoas que o coronel Gilson conseguiu puxar para dentro do aparelho”, complementou.

O Coronel Av Gilson Macedo Rosenburg, coordenador SAR (Serviço de Busca e Salvamento) designado pela então 4ª Zona Aérea da FAB, acompanhou o piloto durante a operação, ajudou-o a coordenar a ação dos demais helicópteros.

Depois do primeiro salvamento, o helicóptero Hiller FH-1100 (PT-EES), pilotado pelo Comandante Sayão (Leia o artigo) desembarcou no heliponto do edifício o então Ten PM Duxferri Gomes de Oliveira do Corpo de Bombeiros, o 3º Sgt PM Milton Serafim da Silva e o 2º Sgt PM Augusto Cazzaniga, ambos do Comando de Operações Especiais (COE) da PM.

Em seguida, outra aeronave comandada por Zanini e auxiliado pelo Eng. de Bellegard, desembarca sobre o heliponto, o Cap PM Helio Barbosa Caldas e o 3º Sgt PM Wisnton Oscar Boldi da Silva, ambos do Corpo de Bombeiros e o 3º Sgt PM Djalma Evangelista, do COE.

Assim, eles conseguiram coordenar o salvamento e permitir o embarque seguro das vítimas nos helicópteros. Segundo levantamento da época, no edifício havia 1.300 pessoas, 700 foram resgatadas e 16 pessoas morreram (12 homens e 4 mulheres).

Não houve relato de nenhum incidente ou acidente envolvendo as aeronaves.

Exaustão

Depois que tudo acabou, o Comandante Souza pousou o helicóptero no Aeroporto de Congonhas, cortou o motor, deitou no chão e entregou-se à exaustão. “Estava uma noite gostosa e eu estava cansado daquela confusão, de ver aquela barbaridade. Eu deitei no chão, na pista mesmo, e acordei horais depois com médico e enfermeiras ao meu lado no ambulatório do Aeroporto.

Segundo relatos da época, Souza estava “desidratado e com acúmulo nervoso”. A vida de depois desse dia não seria a mesma.

Como todos que participaram do salvamento, Souza sempre foi reconhecido como um herói e recebeu prêmios e condecorações ao longo de sua vida. Segundo ele, nunca foi procurado pelas pessoas que salvou, mas sabemos que todas elas, como nós, reconhecem  o trabalho heroico dele e de todos aqueles que trabalharam naquele dia de fogo, fumaça e pânico.

Daí para frente é a história que conhecemos desses heróis.

Para ajudá-los nas pesquisas, indico a leitura de alguns artigos que contaram um pouco da história desses heróis e que certamente foram os responsáveis por tudo isso.

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