A lei 12.970, de 7 de maio de 2014, altera parte do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) e regulamenta a investigação de acidentes aéreos no Brasil, tratando como informações sigilosas e protegidas processualmente as gravações das caixas-pretas de dados e de voz do avião, as notificações voluntárias de incidente e os demais registros da apuração, como depoimentos de testemunhas.
O texto autoriza, porém, a polícia e a Justiça a usarem como provas em inquéritos os dados das caixas-pretas, como as transcrições das conversas da cabine, mas não permite o uso processual de dados dos sistemas de notificação voluntária de ocorrências, como reportes de erros e problemas, e das análises e conclusões do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Aeronáutica, responsável por apurar tragédias aéreas no país.
Todas as informações dadas à Aeronáutica serão espontâneas e baseadas na garantia legal de seu uso exclusivo para prevenção, diz o texto. Segundo o artigo 88-J, “as fontes e informações que tiverem seu uso permitido em inquérito ou em processo judicial ou procedimento administrativo estarão protegidas pelo sigilo processual”. O repasse dos dados só ocorrerá mediante solicitação judicial.
A lei 12.970 foi proposta pelos militares durante tratativas com a CPI da Crise Aérea, em 2006, após o acidentes da Gol, que deixou 154 mortos em 2006, e foi aperfeiçoada no Congresso após as tragédias da TAM, que culminou com 199 mortes em junho de 2007, e da Air France, quando um Airbus caiu no Oceano Atlântico deixando 228 mortos em 2009.
O objetivo é proteger denúncias, depoimentos e as análises ainda em andamento dos casos. Pela legislação em vigor, a apuração de tragédias aéreas no país cabe ao Sistema de Investigação Sistema de Investigação e Prevenção (Sipaer), cujo órgão central é o Cenipa.
“Esta lei vai ao encontro ao que a Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO) – do qual o Brasil é signatário – preconiza em relação à proteção das informações, em especial às que consideramos voluntárias e que são essenciais para investigação. O relatório final, com as conclusões do Cenipa, continua sendo público e ostensivo”, diz o brigadeiro Dilton José Schuck, atual chefe do órgão.
“Queríamos a proteção destas informações, porque nossa apuração é baseada em hipóteses e não segue o ritmo de um processo judicial ou de um inquérito, em que há direito ao contraditório. Na nossa análise, o direito a defesa nem sempre existe. Nossa investigação tem como objetivo a prevenção, busca fatos, informações, dados que podem ajudar a entender o que aconteceu”, explica o brigadeiro.
Dados sob sigilo
Conforme o texto, são tratados como fontes da investigação do Sipaer: “I – gravações das comunicações entre os órgãos de controle de tráfego aéreo e suas transcrições; II – gravações das conversas na cabine de pilotagem e suas transcrições; III – dados dos sistemas de notificação voluntária de ocorrências; gravações das comunicações entre os órgãos de controle de tráfego aéreo e suas transcrições; II – gravações das conversas na cabine de pilotagem e suas transcrições; III – dados dos sistemas de notificação voluntária de ocorrências; V – gravações das comunicações entre a aeronave e os órgãos de controle de tráfego aéreo e suas transcrições; V – gravações dos dados de voo e os gráficos e parâmetros deles extraídos ou transcritos ou extraídos e transcritos; VI – dados dos sistemas automáticos e manuais de coleta de dados; e VII – demais registros usados nas atividades Sipaer, incluindo os de investigação”.
Os dados de notificação voluntária, como denúncias e relatos de perigo, dentre outros, além de análises e as conclusões do Cenipa sobre as tragédias “não serão utilizadas para fins probatórios nos processos judiciais e procedimentos administrativos e somente serão fornecidas mediante requisição judicial”.
Familiares de vítimas do acidente da TAM, porém, viram a sanção como “um passo para trás” na transparência de investigações.
“Infelizmente, acho que estamos andando pra trás nesta questão de prevenção e este é mais um elemento que só dificulta a transparência de um processo que já é tão penoso para os familiares”, diz o professor Dario Scott, que perdeu a única filha, de 14 anos, no acidente da TAM JJ3054, no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, em 2007. “Isso não deveria ocorrer sob sigilo, é um direito nosso acompanhar de perto”.
Já o ex-chefe do Cenipa, o brigadeiro Jorge Kersul Filho, que investigou os acidentes da Gol, da TAM e da Air France, que deixou 228 mortos ao cair no Oceano Atlântico em 2009, vê a aprovação como uma evolução. “É um passo importante para o país ter esta legislação. É muito difícil investigar algo se as pessoas não se voluntariarem a dizer para o Cenipa e queríamos proteger estas informações”, diz ele.
Fonte: G1.
Nota:
Ficam ainda algumas perguntas sem resposta e que ainda serão motivo de polêmica:
a) Crime: somente versão dolosa? e a culposa?
b) Sigilo das informações: mas e o interesse público? O sigilo protege quem?
c) Prioridade no local de crime: da polícia ou da aeronáutica?
d) Guarda e acesso aos destroços: da polícia ou da aeronáutica?
e) Precedência de requisição: da aeronáutica, e a polícia e o judiciário?
d) Acesso do Judiciário e da Polícia: somente com autorização da aeronáutica?
e) A ajuda da aeronáutica à Polícia e Judiciário na investigação será custeada pelo solicitante? Então, se autoridade policial ou judicial pedir, a autoridade de investigação Sipaer poderá colocar especialistas à disposição para os exames necessários às diligências sobre o acidente aeronáutico com aeronave civil, desde que a entidade solicitante custeie todas as despesas decorrentes da solicitação. Porque lei exigiu esse custeio? Então para ter colaboração vai ter que pagar para a aeronáutica?