“Encerrando ocorrência. Helicóptero retornando para a base”. É assim que os pilotos do Águia, da Polícia Militar, finalizam as operações. Para que a frase seja dita, pilotos, co-pilotos, médicos, enfermeiros e mecânicos do GRPAe (Grupamento de Radiopatrulha Aérea) trabalham e treinam diariamente para realizar resgates e fazer policiamento.
O trabalho das dez aeronaves do Águia é acionado quando as bases terrestres da Polícia Militar ou do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) precisam de apoio ou não conseguem chegar até os locais. De janeiro a maio, o Águia atendeu 725 ocorrências, sendo 491 policiais e 234 aeromédicas.
A rotina do grupo começa às 6h45, quando é realizada a primeira reunião entre as equipes do dia, conhecida como ‘reunião da bola’. Nela é discutido o que está marcado para acontecer ao longo do dia. “Não atendemos apenas ocorrências de urgência. Para conciliar tudo, é preciso fazer essa primeira reunião”, explica o comandante do GRPAe, tenente coronel Edson Luiz Gaspar.
Entre as atividades que podem ser agendadas estão o transporte do prefeito da Capital, treinamentos com outras equipes de solo e transporte de vítimas e órgãos entre hospitais.
Já para atender as ocorrências inesperadas, o Águia precisa ser acionado pelo Cobom (Central de Operações Bombeiros Militares), pelo Copom (Centro de Operações da Polícia Militar) ou pelos rádios de comunicação das viaturas em solo. As equipes que tripulam as aeronaves ficam na sala de rádio. “Aqui recebemos as primeiras informações do caso e passamos para o piloto e co-piloto da aeronave”, afirma o 3º sargento Luiz Paulo Afonso. Essa sala precisa ser ocupada por, no mínimo, três pessoas, uma de cada equipe de sobreaviso.
Quando o alarme soa apenas uma vez, é o grupo de policiamento que deve correr para o helicóptero. Dentre as ocorrências atendidas estão apoio aos policiais em solo em caso de roubos, localização de automóveis, casos que envolvem reféns, entre outras.
Socorro
Já quando o alarme toca duas vezes seguido, é a equipe médica quem entra em ação. Os resgates a vítimas de acidentes são as principais ocorrências atendidas pelo Águia e, apesar de a maioria dos casos ser bem sucedida, nem sempre as operações saem como o planejado. Há três anos na equipe do GRAPAe, o médico do Grau (Grupo de Atendimento e Resgate às Urgências) Mario Fuhrmann Neto diz que o resgate mais marcante que fez aconteceu há seis meses. “Fomos socorrer uma criança de dois anos que tinha se afogado na piscina e, infelizmente, ela morreu. Ficou um clima estranho na aeronave, mas lembramos um ao outro que fizemos o que estava ao alcance.”
A divisão das aeronaves é feita da melhor maneira possível para atender a todos os chamados e o tempo do trabalho das equipes varia de acordo com a gravidade. Em dias mais agitados, as equipes existentes não conseguem dar conta do número de resgates. “O ideal é voar com um médico, um enfermeiro, o co-piloto e o piloto. Algumas vezes conseguimos ter uma reserva, mas quando não temos e várias coisas acontecem ao mesmo tempo, atendemos quem precisa mais.”
O tenente coronel Gaspar ainda afirma que o uso de helicópteros pelo Grupamento Aéreo faz muitas pessoas acreditarem que esse é um trabalho de elite, mas a corporação não vê dessa forma. “Se você tirar todo o serviço em solo feito pelas viaturas de policiamento, Corpo de Bombeiros ou Samu, não conseguimos trabalhar. Atuamos em equipe e é isso que faz a polícia funcionar”, garante.
Seleção para pilotos é acirrada e inclui testes físicos e psicológicos
Por conta das dificuldades enfrentadas no cotidiano, a seleção de policiais para a equipe do helicóptero Águia é reforçada. O comandante do GRPAe (Grupamento de Radiopatrulha Aérea), tenente coronel Edson Luiz Gaspar, explica que os candidatos passam por uma série de provas após ter cursado a Academia da Polícia Militar do Barro Branco – escola responsável por formar os oficiais da corporação.
Também são necessários dois anos de trabalho com policiamento nas ruas. Isso acontece porque, até 1998, a seleção de pilotos era feita pela FAB (Força Aérea Brasileira), o que não supria as necessidades da equipe. “Eram usados critérios de seleção para pilotos de combate. A prova foi reformulada e, a partir de então, passou a ser um concurso com seis fases específicas para entrada de futuros pilotos.”
Gaspar conta que o número de inscritos é de, em média, 500 pessoas. Por isso mesmo, as provas são bem elaboradas. “Após a inscrição, os candidatos passam por testes físicos e específicos, como travessia do pórtico e flutuabilidade. Também são feitos exames psicológicos, avaliação por uma banca, exames médicos e, por último, investigação social”, explica o comandante.
O 1º tenente Wagner Marinho, 32 anos, passou pelo concurso para ser piloto e lembra que não foi fácil. “Muita gente se inscreve para um número limitado de vagas e todo mundo que está prestando tem o mesmo preparo.”
Depois de entrar para o GRPAe, futuros pilotos estudam para tirar as licenças de voo. Marinho, que já passou por essa fase e agora é co-piloto do Águia, compara esse processo com a carteira de motorista. “Temos aulas teóricas e fazemos uma prova, depois aulas práticas e o teste final para ser co-piloto e entrar na escala.”
Os pilotos, co-pilotos e tripulantes das aeronaves passam por treinamentos para agir de maneira adequada durante os atendimentos, mas é no dia a dia que realmente ganham experiência. “Só com a adrenalina do cotidiano é que a gente aprende mesmo”, garante o sargento Afonso.
Tenente Lara será 1ª mulher a pilotar
A equipe de pilotos que atua no helicóptero Águia era composta, desde 1984, por homens. A 1ª Tenente Lara Carolina Palhiari Duarte, 28 anos, é a primeira mulher a passar pelo concurso para pilotar a aeronave do grupamento aéreo e garante que não há mistério. “Não sou melhor que ninguém. Prestei o concurso e passei porque tinha o perfil que queriam. Qualquer uma pode passar se tiver empenho”, afirma.
Tenente Lara, como é chamada, ainda não pilota o helicóptero, mas está fazendo as aulas práticas para, a partir de agosto, entrar na escala de co-piloto da aeronave.
Apesar de ser, por enquanto, a única mulher da equipe de pilotagem, Lara diz que não consegue se ver entrando para a história do GRPAe (Grupamento de Radiopatrulha Aérea). “Me vejo apenas como mais uma entre os meninos. Estou acostumada a conviver com muitos homens desde a época em que estudava na Academia do Barro Branco.”
Lara conta que decidiu entrar para o grupamento aéreo quando ainda estava no colégio. O que mais chamou sua atenção para o trabalho foi o fato de não ter rotina e atuar diretamente com pessoas que precisam do atendimento. “Saber que quando você chega a um local, leva tranquilidade para as pessoas e combate a criminalidade é algo muito gostoso. Não vejo a hora de atender as ocorrências junto com os meninos da equipe.”
Vaidade
A tenente Lara diz que a vaidade não está tão presente no seu cotidiano. “Não sou a pessoa mais vaidosa do mundo. Uso o básico: brincos, aliança, mas as vezes até esqueço de passar maquiagem.”
Lara conta que, apesar de não ter o costume de pintar o rosto no dia a dia, procura se cuidar. “Sempre venho trabalhar com o cabelo arrumadinho, o macacão alinhado. São coisas básicas que os meninos do grupamento também fazem”, garante.
Ocorrência na região marcou sargento
Depois de 21 anos no Grupamento de Radiopatrulha Aérea, o 3º Sargento Luiz Paulo Afonso afirma, sem titubear, que a ocorrência mais marcante de toda a sua carreira aconteceu em janeiro de 2002, em São Caetano. “Lembro que naquele dia choveu muito e, a noite, recebemos um chamado apenas para sobrevoarmos e avaliarmos a situação das enchentes na cidade.”
Apesar de inicialmente ser uma ocorrência de visualização, o sargento lembra que um dos tripulantes sugeriu que a equipe levasse os equipamentos utilizados para salvamento – o cesto e o pulsa –, apenas por precaução.
O sargento afirma que quando a equipe chegou à Avenida Guido Aliberti, na altura do número 650, assustou-se com o que encontrou. “Fomos pegos de surpresa porque, quando olhamos para a via, não dava para saber onde era o rio e onde era o asfalto.”
Em determinado ponto do voo, foram avistadas nove pessoas amarradas por uma corda em volta de um poste, correndo risco de ser arrastadas pela correnteza. “Decidimos socorrê-las e assim fizemos. Pegamos uma a uma com o cesto e levamos para o estacionamento do supermercado para que recebessem atendimento médico.”
O sargento diz que a ocorrência só deu certo porque a equipe estava entrosada e os socorridos confiaram no trabalho que estava sendo realizado. “Atuamos o tempo todo com a comunicação visual dos tripulantes comigo e deles com o piloto, que não estava vendo nada na parte de baixo do helicóptero. Só deu certo porque houve cooperação de todos e confiança dos resgatados”, afirma.
O sargento ainda diz que geralmente não são atendidas ocorrências desse tipo durante a noite, mas que aquele dia foi necessário e eles estavam prontos. “Se fosse preciso, faríamos de novo. Salvamos as vidas daquelas pessoas e é isso o que mais vale a pena e marca a vida da gente.”
Fonte: Diário do Grande ABC / Reportagem: Drielly Gaspar